Onde a Rússia está encontrando novos soldados? Onde quer que possa
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Cartaz de alistamento militar nos arredores de Ulan Ude — Foto: Nanna Heitmann/The New York Times
RESUMO
Sem tempo? Ferramenta de IA resume para vocêGERADO EM: 30/12/2024 - 18:41
Moscou amplia recrutamento militar com incentivos variados.
Moscou amplia recrutamento militar com perdões judiciais e incentivos financeiros,incluindo criminosos,devedores e imigrantes. Kremlin busca soldados para pressionar Ucrânia e evitar convocação em massa. Críticas sobre ligações entre crime e punição. Quem recusa pode enfrentar prisão prolongada.O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
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A Rússia passou por várias ondas de soldados na Ucrânia. Perdeu boa parte de suas forças mais experientes no começo da invasão,depois enviou dezenas de milhares de condenados às linhas de frente sem se preocupar se sobreviveram.
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Agora,Moscou está desesperadamente em busca de contingentes para manter a pressão sobre a Ucrânia,e expandiu ainda mais o recrutamento. Homens (e mulheres) não precisam mais terem sido condenados por um crime — pelas novas leis,qualquer pessoa detida pela polícia será comunicada de que as acusações desaparecerão se ela se voluntariar. Os militares estão aceitando cidadãos endividados,imigrantes em situação irregular e até funcionários corruptos.
Um exemplo recente vem de São Petersburgo: dois homens foram presos e acusados de transportar 220 kg de cocaína do Peru,dentro de uma carga de mangas,segundo o serviço de imprensa da Justiça local. As acusações foram derrubadas depois que os dois assinaram contratos para servir em uma brigada de assalto na guerra.
Jornais locais estão lotados de casos de suspeitos de homicídio,estupro e roubo que preferiram ir para a linha de frente ao invés de enfrentar as acusações em um tribunal.
— Eles podem matar pessoas,roubar um banco ou cometer qualquer tipo de crime e ir para o front — disse Ruslan Leviev,um analista militar russo. — [O governo] está desesperado para conseguir muitas pessoas. Há uma alta mortalidade nas linhas de frente.
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Para evitar uma convocação em massa,o Kremlin recorreu a uma série de medidas legais nos últimos meses para ampliar o campo de soldados em potencial. O esforço é particularmente importante no momento em que a Rússia quer empurrar as linhas ucranianas antes de um possível movimento do presidente eleito dos EUA,Donald Trump,para acabar com a guerra após sua posse,no dia 20 de janeiro.
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De acordo com uma nova lei assinada pelo presidente Vladimir Putin em outubro,o processo para se juntar às Forças Armadas pode começar já na abertura de um processo criminal. O recrutamento de criminosos que começou em 2022 estava limitado às pessoas já condenadas e mandadas a colônias penais.
Grandes devedores também estão na mira do Serviço Federal de Oficiais de Justiça. Uma nova lei que entrou em vigor no dia 1º de dezembro perdoa dívidas de até 10 milhões de rublos (R$ 559 mil) e suspende procedimentos de cobrança se eles concordarem em lutar. Isso inclui pessoas com dívidas de pensão alimentícia.
As autoridades também estão atuando em mercados,armazéns,estações ferroviárias ou qualquer lugar onde possam capturar imigrantes que receberam cidadania russa mas ainda não se alistaram para o serviço militar obrigatório. Ao receberem a ordem para regularizarem suas situações,por vezes se veem mandados para a guerra.
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É difícil saber a escala exata do recrutamento uma vez que não há uma contagem nacional disponível — segundo serviços de inteligência de outros países,seriam cerca de 30 mil novos recrutas por mês. Os militares também atuam por caminhos mais tradicionais,pagando mais para civis,mas analistas acreditam que menos pessoas estejam dispostas a aceitar. Neste cenário,oferecer uma anistia sai mais barato.
Soldados russos embarcam em aeronave militar no aeroporto de Grozny — Foto: Nanna Heitmann/The New York Times
— Voluntários civis são muito caros por causa dos pagamentos que lhes foram prometidos — disse Leviev. — Os criminosos não têm os mesmos incentivos.
Olga Romanova,chefe da Rússia Atrás das Grades,uma ONG que defende os direitos dos prisioneiros,disse que o Estado russo estava cortando a conexão entre crime e punição,o que pode ter consequências de longo prazo para a segurança pública.
Se estivesse vivo,o escritor Fyodor Dostoyevsky,ela afirma,talvez fosse obrigado a rever o seu clássico “Crime e Castigo”. Mesmo se a polícia encontrasse Rodion Raskolnikov segurando um machado ensanguentado,tudo que teria que dizer seria “quero ir para a linha de frente”,ela imagina,e a polícia responderia “ok!”.
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Os debates sobre as consequências de assinar contratos ao invés de enfrentar um julgamento também povoam as redes sociais.
Quando uma mulher perguntou se o marido deveria assinar um contrato militar,outra participante do grupo de discussão no VKontakte,o equivalente russo ao Facebook,disse que ele ganharia algum dinheiro e teria uma ficha criminal limpa. Mas fez uma ressalva.
“Eu recomendo que comece a procurar um novo marido imediatamente,uma vez que as coisas não devem acabar bem”,escreveu.
Um ativista de oposição e ex-promotor assinou um contrato porque considerou que suas chances de morrer na linha de frente eram menores do que a de morrer na prisão,dado seu passado de condenação de criminosos,disse Romanova.
— As prisões russas estão entre os piores lugares do mundo — opinou. — As condições são terríveis. Geralmente as pessoas escolhem a guerra porque na prisão você não é ninguém,não tem direitos. Na guerra você pode fazer algo,tomar algumas decisões.
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Outra fonte de voluntários são os políticos e empresários estatais presos por corrupção. Em Vladivostok,a maior cidade russa no Pacífico,dois ex-prefeitos e o diretor do serviço de cemitérios local,além de funcionários de administrações regionais,anunciaram que querem servir em troca de sair da cadeia.
Usar a guerra como uma “lavanderia de reputações” foi alvo de críticas.
“Um ladrão que roubou o Estado deve estar na prisão”,escreveu Aleksander Kartavykh,um blogueiro militar,no Telegram.
Assassinos e estupradores podem pagar seus pecados com sangue,mas não oficiais corruptos,afirmou.
“Com um assassino existe a confiança de que lutará realmente,mas com um funcionário público,sem supervisão,não existe tal confiança”,opinou.
Guerra na Ucrânia: mulheres assumem empregos de homens que foram ao front
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Trabalhadora na forja da Ukrzaliznytsia (Ferrovias Ucranianas) em Kharkiv,Ucrânia
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Karina Yatsina,operadora de máquina subterrânea em seu quinto dia de trabalho em uma mina de carvão perto da cidade de Pavlograd,na região de Dnipro,no leste da Ucrânia — Foto: Finbarr O'Reilly/The New York Times
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Uma geóloga espera com seus colegas para pegar um elevador de volta à superfície de uma mina perto da cidade de Pokrovsk,na região de Donetsk,no leste da Ucrânia — Foto: Finbarr O'Reilly/The New York Times
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Mulheres participam de uma sessão de treinamento em uma instalação projetada para reproduzir um poço de mina,perto da cidade de Pokrovsk,no leste da Ucrânia — Foto: Finbarr O'Reilly/The New York Times
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Valentyna Korotaeva opera um guindaste em uma mina de carvão administrada pela siderúrgica Metinvest perto da cidade de Pokrovsk,no leste da Ucrânia — Foto: Finbarr O'Reilly/The New York Times
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Natalia Kharchenko,operadora de máquinas,trabalha em um pátio de manutenção da empresa Ukrzaliznytsia (Ferrovias Ucranianas) em Kharkiv,Ucrânia — Foto: Finbarr O'Reilly/The New York Times
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Olena Richko recebe aulas para se tornar motorista de caminhão,em Kiev,capital da Ucrânia — Foto: Finbarr O'Reilly/The New York Times
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Policiais podem receber incentivos de até R$ 617 para cada suspeito que se aliste,afirma Romanova. Em Moscou,o valor do bônus é equivalente a R$ 3 mil.
Documentos judiciais indicam que um em cada cinco suspeitos se torna um soldado,afirma Romanova,mas eles podem se alistar em qualquer momento do processo. Hoje,a Rússia tem cerca de 106 mil vagas no sistema penal,e apesar de rodadas de recrutamento anteriores terem reduzido a população carcerária pela metade,as autoridades foram rápidas para preencher os lugares nas celas na esperança de que alguns dos novos detentos concordassem em ir para a linha de frente.
Os que recusam,contudo,estarão diante de investigadores que não escondem o desejo de fazer com que os suspeitos apodreçam na cadeia.
Há alguns anos,Andrey Perlov podia caminhar mais rápido do que qualquer homem na Terra,e ganhou a medalha de ouro na marcha atlética de 50km na Olimpíada de Barcelona,em 1992.
Perlov,hoje com 62 anos,não caminha mais tanto hoje em dia,e está preso em uma cela em Novosibirsk,na Sibéria,acusado de desviar o equivalente a cerca de R$ 185 mil de um clube de futebol quando era gerente geral.
Os investigadores não apresentaram provas,afirmou Alina Perlova,sua filha,e ao invés disso o pressionam de forma constante para que lute na Ucrânia,ao mesmo tempo em que prolongam sua prisão. A Corte Regional de Novosibirsk não comentou.
— Para eles,a melhor opção é que ele vá para a guerra — disse Perlova. — O caso seria arquivado e ninguém seria responsável pelo erro de mandá-lo para a cadeia.
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Os promotores ameaçaram manter Perlov preso por mais um ou dois anos,ela afirmou,apontando que eles citam que,apesar dos 62 anos de idade,ele pode ir ao front “por ser um atleta”.
Se hoje o Kremlin oferece aos medalhistas dinheiro e presentes como carros de luxo importados,nos primeiros dias da Federação Russa o então presidente,Boris Yeltsin,deu a Perlov um relógio e dinheiro para comprar um Lada. Sua família,incluindo a esposa e um filho,viviam com uma pensão mensal de cerca de R$ 6 mil,além do dinheiro obtido pela filha com traduções de textos literários chineses. Agora,suas contas estão bloqueadas.
Ocasionalmente seu pai afirma que poderia ir para a guerra para que sua família possa ter algum dinheiro,apesar do perigo das linhas de frente e do fato de que a assinatura no contrato é uma admissão de culpa.
— Eu digo a ele “pai,não,por favor,encontraremos uma maneira” — afirmou Perlova.