Crítica: Personagens de escritor mineiro ruminam as próprias mediocridades, vivendo em descompasso com o passado
02-08 HaiPress
Falta de comunicação verbal guia crônicas de Bruno Inácio no livro 'De repente nenhum som' — Foto: Unsplash/Christophe Dutour
RESUMO
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"Explorando a Perplexidade em 'De Repente Nenhum Som'"
O crítico literário Bruno Inácio explora a perplexidade das personagens em "De repente nenhum som",revelando a mediocridade e os momentos de suspensão na mente. O livro destaca a falta de comunicação e a busca por significado no cotidiano,em uma mistura de crônica e conto. Com influências da crônica brasileira clássica,a obra reflete sobre despedidas,presente e a efemeridade da vida.O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
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O retrato de um homem em um momento de suspensão pode revelar instantes de graça,reflexão,angústia ou tristeza. Em “De repente nenhum som”,o crítico literário mineiro Bruno Inácio investiga esses momentos involuntários em que os pensamentos se dispersam pelos labirintos da mente. Autor de “Desemprego e outras heresias”,ele agora comete uma prosa nascida do hibridismo da crônica e do conto para mostrar o cotidiano de personagens ora atormentadas pelo silêncio,ora apreciando o tédio.
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A escritora Monique Malcher bem definiu o estado de espírito captado por Inácio,quando escreve no prefácio que “o escritor dos contos deste livro se ergue das ausências”. Mas são as presenças (excêntricas) nos pequenos contos que chamam atenção. Um sujeito que nunca sai de casa e é obcecado por um quadro do pintor Candido Portinari (1903-1962); uma pregadora incontornável que mobiliza uma família inteira; um garoto inventor de palavras só para completar os quadradinhos da cruzadinha; um roqueiro anacrônico que sobrevive por conta dos velhos discos que guarda. Todos são figuras que poderiam ter passado despercebidas pela existência,mas ganham uma espécie de sobrevida para além do ordinário neste microcosmo literário.
O autor ressalta as mesquinharias por meio de meneios e gestos econômicos de suas personagens. Escreve diálogos contidos,como se o fastio pela presença humana ritmasse suas existências — daí a preferência pelos longos silêncios. Mas há também os profundos momentos de reflexão.
No primeiro conto,“Alô,alô,freguesia”,um pai desempregado passa a vender pamonhas de porta em porta e,no decorrer do dia,a tensão da incerteza se instaura entre ele e o filho. “Pobre não tem tempo para crise existencial”,escreve Inácio,atestando a autocondenação do personagem. O pai reflete sobre a dureza do mercado de trabalho e a sensação de dever cumprido. O menino,analisando o cenário,sonha com a capacidade do pai de “transformar qualquer não em sim”. No fim da labuta,a lição,nos moldes de fábula,vem pronta: “Sabem que qualquer palavra poderia afastar a beleza que reside naquele pedaço de tempo.” E caminham os dois em direção ao futuro,tendo marcado aquela relação pela ilusória expectativa parental.
Palavras soltas
Em linhas gerais,a falta de comunicação verbal guia as crônicas de Inácio. Suas personagens ruminam as próprias mediocridades a esmo,em claro descompasso com o passado e pouca perspectiva para o futuro. Estão fatigadas pela rotina ou anseiam pelo momento de graça captado por escribas da Era de Ouro da crônica brasileira (1950-1980),como Fernando Sabino,Rubem Braga,Paulo Mendes Campos. Em “Pelas ruas”,o autor presta uma homenagem ao período e ao ato de flanar,requisito essencial para um cronista: “Ouço trechos de conversas que não me pertencem e as palavras soltas passam também a ser minhas.”
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O ponto alto é o conto “Inventário de despedida”,uma espécie de quadrilha drummondiana que reúne o elenco do livro de uma maneira fúnebre,fazendo uma síntese preciosa do universo percorrido. Cada personagem,à sua maneira,faz um agrado final à beira de um leito. Na sequência,“Seis minutos de análise no divã” é uma prorrogação psicanalítica de outro conto,“Céu de ninguém”: “Será que continua valendo a pena viver depois que o corpo já não responde?”,questiona o autor,que resgata angústias trazidas em outros livros seus,como “Desprazeres existenciais em colapso” (Patuá,2022).
“De repente nenhum som” é um livro de despedidas e uma ode ao presente. O título,extraído da faixa “Hoje”,de Cazuza,faz referência ao estado que antecede a satisfação,quando a possibilidade pode ser liquidada a qualquer momento. Entre planos mirabolantes e anseios,o imediatismo,característica dos nossos tempos,impera.
Em “Lacunas”,essa inquietude travessa é captada por uma coletânea de micro-histórias e assuntos terminados de forma brusca. Inácio escreve: “Tenho também essa mania de deixar os textos pela metade. Desamparados,bem no momento em que mais precisam de mim.” Esta quebra de assunto repentina,esse retrato da morte do texto — e da literatura construída com engenho,por extensão —,é denunciada. Porque podemos até nos comunicar por aforismos,mas só quando eles não ultrapassam os tais 280 caracteres ou um tuíte.
Matheus Lopes Quirino é jornalista
‘De repente nenhum som’
Autor: Bruno Inácio. Editora: Sábia Livros. Páginas: 112. Preço: R$ 30. Cotação: ótimo.