Encontros em presídio de São Gonçalo discutem masculinidade e violência
02-10 IDOPRESS
Presos têm palestra de reflexão,na Cadeia Pública Juíza Patrícia Acioli,em São Gonçalo,sobre a Lei Maria da Penha — Foto: Agência O Globo / Gabriel de Paiva
RESUMO
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Detentos em São Gonçalo debatem masculinidade e violência
Presos em São Gonçalo participam de encontros sobre masculinidade e violência,visando à prevenção de agressões contra mulheres. A iniciativa,com 700 inscritos,promove reflexão e responsabilização. Detentos relatam mudanças de comportamento e compreensão dos estereótipos de gênero. A ação é parte de um programa mais amplo de reabilitação,buscando reduzir reincidências.O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
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O espaço cultural da Cadeia Pública Juíza Patrícia Acioli,tem as paredes pintadas meio a meio de branco e cinza-escuro. Há cinco estantes com livros de Direito,religiosos,didáticos,enciclopédias e de histórias reais,referentes ao programa de remissão de pena. A única ventilação é um pequeno ar-condicionado,que se esforça para amenizar a sensação térmica de quase 40 graus.
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Por lá,três vezes na semana,grupos de até 25 presos pela Lei Maria da Penha se reúnem para aprender,voluntariamente,sobre masculinidades,violência e machismo. Os encontros começaram em 13 de janeiro e fazem parte de uma política pública de prevenção à violência contra a mulher,proposta pela Secretaria Estadual da Mulher (SEM-RJ),numa parceria com a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) e o Instituto Mapear.
Diferente dos 17 programas estaduais voltados às vítimas,a iniciativa retoma o inciso quinto da Lei Maria da Penha,que dá aos governos federal,estadual e municipal a possibilidade de criar centros de educação e reabilitação para os agressores.
Cerca de 700 homens do presídio se inscreveram para participar da dinâmica,chamada de “grupo reflexivo”. Cada um tem direito a pelo menos oito reuniões,de 50 minutos,mediadas por psicólogos e especialistas em questões de gênero. Segundo os organizadores,a participação não reduz a pena.
No espaço cultural,os homens se sentam em círculo,sem algemas,e são tratados pelo nome. Em cada encontro,é debatido um tema,que vai da saúde física e emocional à paternidade e explicações sobre as violências tipificadas na Lei Maria da Penha. O objetivo é que eles reconheçam e se responsabilizem pelos crimes praticados,aprendendo a controlar as emoções e a evitar reincidências.
Na última sexta,os mediadores foram Giulia Luz,superintendente de Enfrentamento às Violências; Paulo Sarcon,coordenador do Serviço de Educação e Responsabilização do Homem,ambos da SEM-RJ; e Luciano Ramos,diretor do Instituto Mapear.
"Quando eu era garoto,um menino que sempre me batia. Eu voltava chorando para casa e,ao encontrar meu pai,apanhava de novo. Ele dizia que tinha filho homem e que homem não chorava,me dava socos e pauladas. Aquilo foi me dando uma raiva tão grande que comecei a revidar mesmo. Em quem atravessasse meu caminho,eu batia. E agora estou aqui",relatou um dos detentos.
Outro participante destacou os aprendizados adquiridos ao longo dos cinco encontros que já aconteceram,embora tenha expressado resistência em relação à Lei Maria da Penha,sentimento comum entre outros detentos:
“ Hoje,entendo mais sobre ciúme,como controlar a raiva e não perder a cabeça. Reconheço que estou aqui porque me exaltei,bati,mas ninguém quis ouvir o meu lado. A lei é muito importante,claro,mas a aplicação dela precisa mudar. A gente é preso,condenado e,em nenhum momento,somos ouvidos”.
Mudança no comportamento
Para Luciano Ramos,do Instituto Mapear,apesar de falas como essas parecerem controversas,elas indicam mudança de comportamento defendida nos grupos reflexivos:
— Na primeira reunião,nenhum deles era capaz de assumir o que tinha feito. Todos culpavam a mulher,a polícia,a lei. Agora,aos poucos,percebemos que eles já conseguem se responsabilizar,por mais que a fala ainda venha acompanhada de um sentimento de injustiça.
No geral,os participantes avaliam a experiência como positiva,destacando ser a primeira vez que escutam sobre estereótipos de gênero e conseguem admitir sentimentos e traumas. “As pessoas podem não acreditar,mas eu sei que vou sair daqui transformado. Eu não preciso agredir ninguém para ser homem”,afirmou outro detento.
No estado,há 1.736 pessoas presas com base na Lei Maria da Penha. Só no Patrícia Acioli,são cerca de 716. Deles,28 foram presos por feminicídio,49 por tentativa de feminicídio,178 por ameaça,353 por lesão corporal,80 por quebra de medida protetiva e 29 por outras formas de violência previstas na lei. Segundo a secretária Heloisa Aguiar,da SEM-RJ,90% deles aderiram aos grupos:
— Escolhemos falar com os homens,entender o que causa essa violência. Nossa intenção é recuperá-lo,apresentá-lo a caminhos diferentes e sabemos que esse trabalho é de médio a longo prazo.
Segundo a secretária de Administração Penitenciária,Maria Rosa Lo Duca Nebel,a sua pasta e a Secretaria da Mulher têm formado boas parcerias na defesa dos direitos e da integridade da mulher:
— Os grupos reflexivos são apenas uma parte desse trabalho. Estamos estudando a melhor forma,por meio do cruzamento dos nossos bancos de dados,de identificar quantos presos participantes desses grupos vão reincidir na prática desse tipo de crime no intervalo de um ano após ganharem a liberdade. A ideia é fazer um diagnóstico dos impactos dessa política pública e,uma vez comprovada a sua efetividade,expandi-la para outras unidades do sistema prisional.