Morte de 15 socorristas em Gaza gera revolta entre profissionais de saúde em Israel: 'Violação da moralidade humana'
04-10 IDOPRESS
Corpos de socorristas mortos por fogo israelense em Gaza aguardam identificação no Complexo Médico Nasser,em Khan Yunis,em 30 de março de 2025 — Foto: AFP
Cerca de 360 profissionais de saúde israelenses,metade deles médicos,assinaram uma carta exigindo a investigação e responsabilização do Exército de Israel pelo massacre que matou 15 socorristas na Faixa de Gaza,há pouco mais de duas semanas. Os corpos foram encontrados em uma vala comum,com sinais de tiro à queima-roupa,além de relatos de mutilação e até decapitação. O caso é o mais mortal contra profissionais de saúde em um ano e meio de guerra.
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“Estamos chocados com esse grave incidente. Matar equipes de resgate e profissionais de saúde em serviço é uma violação clara das leis internacionais de guerra e da moralidade humana”,escreveram na carta.
Eles exigem uma investigação séria,imparcial e com consequências reais. “É inadmissível que algo tão grave fique sem apuração e sem responsabilização. Como profissionais comprometidos com a ética médica,valorizamos a vida de toda pessoa — em tempos de paz ou de guerra.”
O chefe do Estado-Maior,Eyal Zamir,determinou que a instância de investigação militar de Israel apure o caso. Este órgão já recebeu dezenas de denúncias de possíveis crimes de guerra desde o início do conflito,em 7 de outubro de 2023,mas até agora nenhum soldado israelense foi processado.
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Na semana passada,o Crescente Vermelho e o Ministério da Saúde de Gaza informaram ter encontrado os corpos dos socorristas enterrados em uma vala comum.
O Exército admitiu ter atirado neles. Inicialmente,afirmou que os veículos não usavam luzes de emergência e acusou os socorristas de ligação com o Hamas. No entanto,um vídeo gravado por um paramédico morto e publicado pelo jornal New York Times mostrou que as ambulâncias estavam com as luzes ligadas e que os socorristas,usando coletes refletivos,foram atingidos a curta distância.
Com a revelação das imagens,Israel mudou sua versão,reconhecendo que seus soldados cometeram erros nos ataques,mas sustentou,sem apresentar provas até o momento,que seis dos socorristas mortos estavam ligados ao Hamas.
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O Ministério da Saúde de Gaza,controlado pelo Hamas,afirmou que alguns corpos tinham as mãos amarradas. O Exército negou essa alegação.
De acordo com as informações disponíveis até o momento,a ação começou com um bombardeio aéreo no local,para onde militares israelenses se deslocaram mais tarde. O comboio atingido era composto por ambulâncias da Sociedade do Crescente Vermelho Palestino (PRCS),um carro da ONU e um caminhão de bombeiros da Defesa Civil de Gaza,que se dirigiam para prestar socorro a vítimas de bombardeios israelenses,na região de Rafah.
Dos 15 corpos recuperados,oito eram membros do Crescente Vermelho,seis da Defesa Civil e um era funcionário da agência da ONU para refugiados palestinos (UNRWA,na sigla em inglês).
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Ao jornal britânico The Guardian,o voluntário do Crescente Vermelho Munther Abed,de 27 anos,único sobrevivente dos ataques,relatou que estava na primeira ambulância que chegou ao local de um bombardeio aéreo. O veículo foi atacado e seus dois companheiros morreram. Ele sobreviveu,contou,porque se jogou no chão da ambulância,e depois foi preso pelos militares israelenses.
Segundo ele,os veículos que chegaram depois foram atacados um a um. Abed refutou a alegação israelense de que eles “se aproximaram de forma suspeita,sem faróis nem luzes de emergência ligados” e também que a área era uma zona de guerra ativa.
As mortes dos trabalhadores humanitários têm gerado escrutínio e condenação internacional nos últimos dias. A ONU e o Crescente Vermelho Palestino afirmaram que os trabalhadores não portavam armas e não representavam ameaça. O presidente da Sociedade do Crescente Vermelho Palestino,Younis al-Khatib,ressaltou que os corpos foram atingidos a curta distância,e que Israel não ofereceu informações sobre o paradeiro dos socorristas desaparecidos durante dias,mesmo sabendo “exatamente onde eles estavam”. Demorou cinco dias após o ataque para que a ONU e o Crescente Vermelho negociassem com o Exército israelense uma passagem segura para buscar os desaparecidos.
Dylan Winder,representante da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho nas Nações Unidas,disse que foi o ataque mais mortal contra trabalhadores da organização em qualquer parte do mundo desde 2017.
Volker Türk,alto comissário da ONU para os direitos humanos,declarou que uma investigação independente deve ser conduzida,e que o episódio levanta “novas preocupações sobre a possível prática de crimes de guerra por Israel”.