Zeca Pagodinho não bebe mais aqui
04-14 IDOPRESS
Zeca Pagodinho — Foto: Reprodução internet
RESUMO
Sem tempo? Ferramenta de IA resume para vocêGERADO EM: 13/04/2025 - 19:06
Botequins se reinventam: de petiscos simples a pratos gourmet
A comida de botequim no Brasil passou por uma transformação social,saindo de petiscos simples e tradicionais para pratos gourmetizados sob a influência de chefs renomados. O "chef de botequim" agora apresenta releituras sofisticadas,como torresmo com guacamole,refletindo uma busca por status e engajamento nas redes sociais. Esse movimento transforma o botequim em uma atração turística cultural e gastronômica.O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
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Nada ascendeu mais socialmente no país do que a comida de botequim. Ficou bestíssima. Era ainda há pouco um punhado de ovos coloridos enfeitando o balcão com o séquito resiliente de moscas excitadas pela anilina cor de rosa. Não mais. Foram-se com eles a moela,o torresmo,o sobre da galinha e o gole de jurubeba para o santo,itens considerados pobres,mal-ajambrados,mandados embora pelo novo dono daquela gastronomia tão carioca – sua excelência estrelada,o chef de botequim. Caracu batida com dois ovos nem pensar.
O chef de botequim despachou também o amargo do jiló,a rima com caldo de mocotó. Está cozinhando línguas de sonoridades elegantes,nada a ver com aquela simplesmente defumada que permanecia a semana inteira pegando gosto bruto na vitrine do balcão. O chef de botequim deu uma de Trump,sobretaxou o paladar. Desde a semana passada ele é a estrela de um festival espalhado por dezenas de endereços e apresenta a nova coleção,com destaque para quesitos gourmetizados de barbecue de goiabada,crispy de couve e blend de costelinha.
Eu perguntei ao chef de botequim aqui perto de casa se,no lugar do teriyaki de rapadura anunciado no cardápio,não dava para fazer um de pistache,a obsessão queridinha dos fogões modernos. Muito sério,sem perceber que era uma galhofa gastronômica,ele respondeu que até tinha pensado em agregar o valor do pistache,talvez fosse bem num “furekake de castanha de caju do katsu sando”,um dos pratos do festival. Infelizmente,o ponto de cozimento é difícil.
A comida de botequim enricou. Existia a partir de um contexto cultural,da necessidade de bons preços,de rabichos de porco da tradição. Daí vinham os tremoços dos portugueses,o paio dos africanos,a sardinha dos indígenas. Ao fundo,o cenário de real valor com azulejos,a mesa da diretoria,as garças passeando vadias num mural de Nilton Bravo e um português fritando pataniscas.
Essa moça gostosa,a cozinha de botequim,depois de espalhar seus croquetes e sua carne de sol pela memória da cidade,está diferente. Estressou complicada. Ela só pensa no cupcake de aipim,na releitura da jambalaia e do torresmo (há uma versão com guacamole,apelidada de guacarresmo) – e ganhar o festival.
Nada de punheta de bacalhau,gurjão de peixe,linguiça,isca de fígado com jiló ou nacos de carne assada,essa turma feiosa d’antanho. Uma comida não se elogia mais passando a mão na pança cheia. Ela precisa ficar bem na foto,gerar engajamento e receber likes no Instagram. Sonha virar bistrô decorado pelo Chicô. Quem sabe um programa entre o do Troigros e o do Felipe Bronze no GNT,quando fará um tartar de dobradinha maturada com espuma de abacaxi?
É preciso avisar apenas que o Zeca Pagodinho não bebe mais aqui. De resto,tudo bem. Se o mundo gira e a lusitana roda,o botequim toma todas e tem o direito de,num jeitão meio Outback,meio apaulistado,também se transformar. A marca virou referência,ao lado da praia,da escola de samba e das sandálias havaianas,de um turismo que paga caro para provar da “alma” do Rio. Todo mundo quer comer o borogodó gostoso da rabada do carioca e,com colarinho,na pressão,ser um deles. Que tal um magret de biguá ao molho de jaboticaba fermentada?