Close

Economia de Francisco: Brasileira em projeto apoiado pelo Papa explica a iniciativa e relembra mensagem do Pontífice

04-24 HaiPress

A economista Mariana Rêis Maria,professora na Universidade Estadual de Campinas e membro da instituição The Economy of Francesco (EoF),em encontro com o Papa Francisco — Foto: Arquivo pessoal

“Minha relação com o Papa Francisco começou logo no início do pontificado dele. Em 2013 eu estive na Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Na época,eu fazia graduação em economia na Unicamp,e a humildade dele já chamava muito a minha atenção. Me lembro de,naquela viagem,estar em frente ao Sambódromo,no Centro do Rio,para receber o meu kit da JMJ quando o comboio do Papa errou o caminho e passou bem na minha frente. Ele baixou o vidro e passou para cumprimentar todo mundo que estava ali.

Ao vivo: Acompanhe as últimas notícias sobre morte do PontíficeEntrevista: Papa Francisco colocou a Igreja diante dos desafios da Humanidade ao abordar a crise climática,diz reitor da PUC-RioAnálise: Próximo Papa terá desafio de consolidar a visão de Francisco para a Igreja Católica

Dois anos depois,em 2015,eu comecei meu mestrado em economia e estava escolhendo o tema do meu trabalho quando ele publicou a encíclica Laudato Si’. Nela,ele faz um panorama da questão ambiental e aborda como ela se relaciona com a pobreza e a desigualdade,e como juntas elas formam uma crise comum. A partir daquilo,isso passou a ser uma grande referência para a minha vida – e trabalhei nisso em minha pesquisa até que,em 2019,ele publicou uma carta que dizia:

“Aos jovens economistas,empresários e empresárias do mundo inteiro,escrevo-vos a fim de vos convidar para uma iniciativa que desejei muito (...),a estudar e pôr em prática uma economia diferente,que faz viver e não mata,inclui e não exclui,humaniza e não desumaniza,cuida da criação e não devasta (...),e que nos leve a estabelecer um ‘pacto’ para mudar a economia atual e atribuir uma alma à economia do amanhã”.

É curioso porque lembro que,na época,eu quase não me inscrevi. Eu estava desanimada com o doutorado e os cortes de investimento. Mas,quando recebi a carta de aprovação,fiquei muito feliz e orgulhosa. Senti esperança de seguir em frente – e acho que esse é um sentimento comum para todos os quase três mil selecionados na ocasião. Acho que a ideia do Papa Francisco era reunir pessoas que tinham ideias semelhantes,porque muitas vezes nós nos sentimos sozinhos. Eram poucos os que tratavam a questão ambiental com carinho anos atrás.

Artigo: Um pontificado que iluminou o mundo de esperança

A ideia inicial era que esses jovens se reunissem com o Papa em 2020,mas,por conta da pandemia,o encontro só ocorreu em 2022. Nesse meio tempo,porém,nós pensamos: ‘não vamos ficar parados; vamos nos reunir em grupos e trabalhar remotamente”. E assim fizemos. Nos dividimos no que chamamos de “vilas temáticas” e começamos a nos reunir para discutir e repensar a economia a partir dessa visão comum,integrada,inspirada na ecologia integral proposta por Francisco.

Nós atuamos dessa maneira por quase três anos,até que nos encontramos com o Papa em setembro de 2022 em Assis,na Itália. Lá,nós nos comprometemos com ele a dar continuidade à iniciativa. Mas não éramos uma instituição,e isso trazia alguns problemas. Então,no ano passado,o Papa assinou um documento autorizando a criação da fundação,chamada The Economy of Francesco (EoF). Hoje,ela tem um presidente,representantes e até uma assembleia jovem.

A organização está sendo construída aos poucos. Foram criados hubs regionais,em diversos países. O Brasil tem vários,mas podemos dizer que nos organizamos mais pela Articulação Brasileira de Economia de Francisco e Clara. Nós consideramos importante adicionar Santa Clara de Assis no nome,já que ela esteve com São Francisco na construção da Ordem Franciscana. Na nossa visão,o papel da mulher latino-americana é fundamental nesse processo de construção.

Em autobiografia: Papa Francisco narra trajetória pessoal,denuncia ‘tragédia da migração’ e reflete sobre o futuro da Igreja

Nos últimos anos,vários projetos surgiram de maneira independente e inspirados pela EoF. Exemplo disso são as Casas de Francisco,no Sul do Brasil e em Manaus. São espaços de acolhimento e ensinamento,de comunidade,de cuidado comum,com hortas comunitárias. As crianças ficam ali enquanto as mães trabalham. É realmente um espaço de estudo,para ouvir a população e entender como podemos construir uma nova economia. Nós precisamos ouvir a periferia,seus anseios e dificuldades.

Eu acho que a articulação brasileira e as latino-americanas no geral são algumas das mais ativas. Nós falamos sobre o projeto nas paróquias,nas periferias. É um trabalho de campo,e eu acho isso muito importante porque na periferia existem muitos problemas. As pessoas precisam pensar no que vão comer,dar comida para as crianças,prover saúde,dignidade,moradia. Com tudo isso,pensamos: como incluir a preocupação ambiental? Muitos acham que é algo distante,mas mostramos que a ecologia é parte da nossa vida.

Mais Sobre Papa Francisco

Despedida do Papa Francisco: Rito de fechamento do caixão acontece na sexta-feira; veja programação do funeral

Papa Francisco criou crise diplomática com a Turquia ao reconhecer o genocídio armênio na década passada

É importante empoderar essas comunidades para que elas tomem posse dessa causa,que é principalmente delas. Caso algo extremo ocorra,o rico vai comprar um bunker e se enfiar nele. Nós,e principalmente os mais pobres,ficaremos vulneráveis. Sofreremos as consequências cada vez mais frequentes das mudanças climáticas. A ecologia integral,nesse sentido,é uma resposta de luta pela vida,pela dignidade e justiça.

‘Coragem de continuar’

Em 2022,quando nos encontramos com o Papa,ele disse para termos coragem de continuar. Acho que ele tinha consciência de que o convite que ele fez era difícil. Mas sentimos essa responsabilidade – algo que foi reforçado no ano passado,quando tivemos a oportunidade de estar com ele novamente no Vaticano. No início,ele dizia que nós éramos parte da “economia do amanhã”,em suas últimas mensagens,já falava em “economia do hoje”,porque não há mais tempo.

Ao mesmo tempo,não estamos falando de nenhum sistema econômico que já existiu. A proposta do Papa Francisco é de um novo entendimento do que é economia. Talvez um micro exemplo seja a economia franciscana. Eles tinham um entendimento diferente,pensavam coletivamente. No entanto,quando juntamos a questão ambiental,não existe precedente,nada que possa servir de inspiração.

O sistema proposto pelo Papa é baseado no conceito de ecologia integral,com foco nos vulneráveis e nos mais pobres e na questão climática. O objetivo é servir à nossa Casa Comum,e acho que não precisa ser da mesma religião para concordar com isso. É possível entender que é preciso olhar para os vulneráveis,que é justo cuidar do planeta para gerações futuras. É uma dimensão moral e ética que é comum a todas as religiões,e acho que a qualquer pessoa de boa vontade.

Da visitação pública na Basílica de São Pedro ao sepultamento: Saiba o passo a passo do funeral do Papa Francisco

O sistema que temos hoje,por outro lado,é errático e insuficiente,porque cria essas desigualdades. Os maiores desafios que temos hoje estão relacionados ao fato de que,desde a Revolução Industrial,construímos uma sociedade totalmente dependente da degradação ambiental. Vivemos em uma sociedade dependente de combustíveis fósseis. Dependemos do petróleo para nos vestirmos,tomarmos remédios,nos locomovermos. É preciso,portanto,uma transformação socioeconômica e cultural,e isso é um desafio.

Ainda assim,vamos continuar fazendo o nosso trabalho. Mesmo com a partida do Papa. É claro que é mais difícil,porque ele nos dava uma palavra de força toda semana. Agora,estamos sem essa figura que nos puxava para frente – e fica quem está nos puxando para trás. Vamos ouvir o [presidente americano,] Donald Trump,os governos anti-imigração,e por aí vai. Então,sim,é mais difícil. Mas vamos continuar. E,falando por mim,agora sinto ainda mais garra. Penso que temos que ecoar todo o trabalho que ele fez. Vamos seguir em frente.”

Mariana Rêis Maria,doutora em economia e professora na Universidade Estadual de Campinas,em depoimento à Letícia Messias.

Declaração: Este artigo é reproduzido em outras mídias. O objetivo da reimpressão é transmitir mais informações. Isso não significa que este site concorda com suas opiniões e é responsável por sua autenticidade, e não tem nenhuma responsabilidade legal. Todos os recursos deste site são coletados na Internet. O objetivo do compartilhamento é apenas para o aprendizado e a referência de todos. Se houver violação de direitos autorais ou propriedade intelectual, deixe uma mensagem.
© Direito autoral 2009-2020 Viagens a portugal      Contate-nos   SiteMap