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'Minha mãe não me reconhece mais': o impacto da demência nos familiares mais próximos

04-24 HaiPress

Cuidadores sofrem quando entes queridos com demência não os reconhecem mais. — Foto: Jen Hsieh/The New York Times

RESUMO

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GERADO EM: 23/04/2025 - 13:40

"Desafios e Esperança: Enfrentando a Demência em Família"

O impacto da demência em familiares é devastador,pois pessoas com a doença frequentemente esquecem entes queridos. Sara Stewart compartilha a dor de quando sua mãe,Barbara,não a reconheceu mais,destacando a tristeza e a crise existencial enfrentadas por cuidadores. Estudos mostram que a perda de reconhecimento abala identidades,mas momentos de "lucidez paradoxal" oferecem consolo. Grupos de apoio e rituais pessoais ajudam a lidar com essa experiência dolorosa.

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Aconteceu há mais de uma década,mas o momento permanece com ela. Sara Stewart conversava à mesa de jantar com sua mãe,Barbara Cole,de 86 anos,em Bar Harbor,Maine (EUA). Sara,então com 59 anos,advogada,fazia uma de suas longas visitas de fora do estado.

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Dois ou três anos antes,Barbara começara a apresentar sinais preocupantes de demência,provavelmente devido a uma série de pequenos derrames.

— Eu não queria tirá-la de casa — conta Sara.

Com um esquadrão de ajudantes — uma governanta,visitas regulares da família,uma vizinha atenta e um serviço de entrega de refeições —,Barbara permaneceu na casa que ela e seu falecido marido haviam construído cerca de 30 anos antes. Ela estava se virando e geralmente parecia alegre e tagarela. Mas essa conversa em 2014 tomou um rumo diferente.

— Ela me perguntou: "De onde nos conhecemos? Foi da escola?" — relembra sua filha e primogênita. — Senti como se tivesse levado um chute.

Sara se lembra de pensar que "no curso natural das coisas,você deveria morrer antes de mim. Mas você nunca deveria esquecer quem eu sou". Mais tarde,sozinha,ela chorou.

Pessoas com demência avançada frequentemente não reconhecem cônjuges,parceiros,filhos e irmãos. Quando Sara e seu irmão mais novo transferiram sua mãe para uma instituição de cuidados,um ano depois,ela havia perdido quase completamente a capacidade de se lembrar dos nomes deles ou do parentesco com ela.

"É algo bastante universal nos estágios mais avançados" da doença,explica Alison Lynn,diretora de serviço social do Penn Memory Center,que lidera grupos de apoio para cuidadores de pessoas com demência há uma década. Ela ouviu muitas variações desse relato,um momento descrito com tristeza,raiva,frustração,alívio ou uma combinação desses fatores.

Esses cuidadores "vêem muitas perdas,marcos reversos,e este é um desses marcos,uma mudança fundamental" em um relacionamento próximo,disse ela.

— Isso pode levar as pessoas a uma crise existencial.

É difícil determinar o que as pessoas com demência — uma categoria que inclui a doença de Alzheimer e muitos outros transtornos cognitivos — sabem ou sentem.

— Não temos como perguntar à pessoa ou consultar uma ressonância magnética — observa Lynn. — É tudo dedutivo.

Mas os pesquisadores estão começando a investigar como os familiares reagem quando um ente querido parece não conhecê-los mais. Um estudo qualitativo publicado recentemente na revista Dementia analisou entrevistas em profundidade com filhos adultos que cuidam de mães com demência que,pelo menos uma vez,não as reconheceram.

— É muito desestabilizador — diz Kristie Wood,psicóloga clínica do Campus Médico Anschutz da Universidade do Colorado e coautora do estudo. — O reconhecimento afirma a identidade e,quando ela desaparece,as pessoas sentem que perderam parte de si mesmas.

Embora entendessem que a falta de reconhecimento não era rejeição,mas um sintoma da doença de suas mães,ela acrescentou que alguns filhos adultos ainda se culpavam.

— Eles questionavam seu papel. "Será que eu não era importante o suficiente para me lembrar?" — pontua Wood. Eles podem se retrair ou fazer visitar com menos frequência.

Pauline Boss,a terapeuta familiar que desenvolveu a teoria da "perda ambígua" décadas atrás,aponta que ela pode envolver ausência física — como quando um soldado está desaparecido em combate — ou ausência psicológica,incluindo o não reconhecimento devido à demência.

A sociedade não tem como reconhecer a transição quando "uma pessoa está fisicamente presente,mas psicologicamente ausente",explica Boss. Não existe "nenhum atestado de óbito,nenhum ritual onde amigos e vizinhos se sentam com você e o confortam".

— As pessoas se sentem culpadas se lamentam por alguém que ainda está vivo — continua ela. — Mas,embora não seja o mesmo que uma morte comprovada,é uma perda real e continua acontecendo.

O não reconhecimento assume diferentes formas. Alguns familiares relatam que,embora um ente querido com demência não consiga mais lembrar um nome ou um parentesco exato,eles ainda parecem felizes em vê-lo.

— Ela parou de saber quem eu era no sentido narrativo,que eu era sua filha Janet — conta Janet Keller,69 anos,atriz de Port Townsend,Washington,em um e-mail sobre sua falecida mãe,diagnosticada com Alzheimer. — Mas ela sempre soube que eu era alguém de quem ela gostava e com quem queria rir e dar as mãos.

Os cuidadores se sentem confortados por ainda sentirem uma conexão. Mas uma das entrevistadas no estudo publicado na revista Dementia relatou que sua mãe se sentia uma estranha e que o relacionamento não proporcionava mais nenhuma recompensa emocional.

"Eu poderia muito bem estar visitando o carteiro”,disse ao entrevistador.

Larry Levine,67 anos,administrador de saúde aposentado em Rockville,Maryland,observou a capacidade de seu marido de reconhecê-lo mudar de forma imprevisível.

Ele e Arthur Windreich,um casal há 43 anos,eram casados ​​quando o Distrito de Columbia legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo em 2010. No ano seguinte,Arthur recebeu o diagnóstico de Alzheimer de início precoce.

Larry tornou-se seu cuidador até sua morte,aos 70 anos,no final de 2023.

— Sua condição oscilava — diz Larry.

Arthur havia se mudado para uma unidade de tratamento de memória.

— Um dia,ele me chamava de "o cara legal que vem visitar" — conta Larry. — No dia seguinte,ele me chamava pelo nome.

Mesmo em seus últimos anos,quando,como muitos pacientes com demência,Arthur se tornou praticamente não verbal,"havia algum reconhecimento",disse seu marido.

— Às vezes,era possível ver em seus olhos um brilho em vez da expressão vazia que ele costumava ter.

Em outros momentos,porém,"não havia nenhum afeto". Levine frequentemente saía da unidade em lágrimas.

Ele buscou ajuda de seu terapeuta e de suas irmãs e,recentemente,ingressou em um grupo de apoio para cuidadores LGBTQIA+ de pessoas com demência,mesmo após a morte do marido. Grupos de apoio,presenciais ou online,"são um remédio para quem cuida",segundo Boss.

— É importante não ficar isolado — afirma.

Lynn incentiva os participantes de seus grupos a também encontrarem rituais pessoais para marcar a perda de reconhecimento e outros marcos do retrocesso.

— Talvez eles acendam uma vela. Talvez façam uma oração — comenta.

Alguém que pratique shiva,parte do ritual de luto judaico,pode reunir um pequeno grupo de amigos ou familiares para relembrar e compartilhar histórias,mesmo que o ente querido com demência não tenha morrido.

— Ter outra pessoa participando pode ser muito gratificante — afirma Lynn. — Diz: "Eu vejo a dor que você está passando".

De vez em quando,a névoa da demência parece se dissipar brevemente. Pesquisadores da Universidade da Pensilvânia e de outros lugares apontaram para um fenômeno surpreendente chamado "lucidez paradoxal".

Alguém com demência grave,após ficar sem se comunicar por meses ou anos,repentinamente recupera o estado de alerta e pode inventar um nome,dizer algumas palavras apropriadas,fazer uma piada,fazer contato visual ou cantar junto com um rádio. Embora comuns,esses episódios geralmente duram apenas alguns segundos e não marcam uma mudança real no declínio da pessoa. Esforços para recriar as experiências tendem a fracassar.

— É um pequeno lapso — pontua Lynn.

Mas os cuidadores costumam reagir com choque e alegria; alguns interpretam o episódio como evidência de que,apesar do agravamento da demência,não foram verdadeiramente esquecidos. Stewart passou por um lapso assim alguns meses antes da morte de sua mãe. Ela estava no apartamento dela quando uma enfermeira lhe pediu para ir até o corredor.

— Quando saí do quarto,minha mãe chamou meu nome — conta.

Embora Barbara geralmente parecesse feliz em vê-la,"ela não usava meu nome desde que me lembro".

Não aconteceu novamente,mas isso não importava.

— Foi maravilhoso — afirma Sara.

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