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Ian Bremmer: Nos 100 dias de segundo mandato, Trump 2.0 desata Brexit global com instituições em xeque

04-27 IDOPRESS

O cientista político e presidente da Eurasia Group,Ian Bremmer. — Foto: Divulgação

RESUMO

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GERADO EM: 24/04/2025 - 23:47

Análise dos 100 Dias de Trump 2.0: Medidas Impopulares e Desafios Globais

O cientista político Ian Bremmer analisa os primeiros 100 dias do governo Trump 2.0,marcados por medidas impopulares como o tarifaço e um esforço para eliminar o sistema de freios e contrapesos dos EUA,comparando a situação a um "Brexit global". Bremmer destaca a força da sociedade civil americana e elogia a estratégia diplomática de Brasília,mas alerta para a influência de figuras como Elon Musk e Jair Bolsonaro. Apesar das críticas,reconhece avanços em negociações internacionais e na eficiência governamental.

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Quando o presidente Donald Trump anunciou seu tarifaço contra o restante do planeta,o líder da consultoria de análise de riscos Eurasia Group cunhou “Brexit global” para traduzir o momento dos EUA — autoisolamento,com a saída do sistema internacional que eles mesmo lideraram desde o fim da Segunda Guerra. Os primeiros 100 dias da segunda temporada do republicano na Casa Branca,que se completam na quarta-feira,foram “o maior ato de automutilação geopolítica” testemunhando pelo cientista político de 55 anos,autor de 11 livros sobre relações internacionais,dois deles na lista dos campões de venda do New York Times.

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Mas Ian Bremmer não é de todo negativo sobre o primeiro ato do Trump 2.0. Ao GLOBO,destacou a importância da negativa da Universidade Harvard de se “submeter à extorsão do governo federal”,testamento da força da sociedade civil americana. E elogiou a abertura de negociações de Washington com o Irã. Também aplaudiu a estratégia de Brasília nas negociações sobre as tarifas impostas ao país. Apontou,porém,a “real possibilidade” de o ex-presidente Jair Bolsonaro usar “conexões com a Casa Branca e o bilionário Elon Musk [dono da rede social X] para debilitar o governo do presidente Lula e,por tabela,a economia brasileira”.

“Brexit em escala global” e “automutilação geopolítica” sumarizam os primeiros 100 dias do Trump 2.0?

Não. É mais grave. O sistema político britânico foi praticamente intocado. Já os EUA vivem hoje simultaneamente um Brexit global e um esforço inédito para eliminar o sistema de freios e contrapesos que oferecem aos Poderes mecanismo para controlar uns aos outros,sua independência,o que desagrada esta Casa Branca. Ela o pôs em xeque.

O senhor também afirmou que os EUA estão se tornando a democracia mais disfuncional,cleptocrática e menos livre entre os países industrializados…

O governo atual piorou o que já era ruim. É claro que quem investe bilhões em campanhas eleitorais com duração de um ano,algo inédito no planeta,espera retorno. Mas Trump,mais do que qualquer outro eleito,tem respondido prontamente a quem lhe deu dinheiro. Veja os acordos que fez nestes primeiros 100 dias,por exemplo,com escritórios de advocacia e o setor de tecnologia. Toma lá,dá cá.

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Onde Elon Musk no governo entra nesta equação?

Musk foi,provavelmente,o indivíduo mais forte destes 100 dias após o próprio Trump. O homem mais rico do planeta está à frente de um quinhão do governo [o departamento que enxuga a máquina federal] enquanto opera seis corporações multinacionais com interesses globais. É impossível distinguir sua função de seus interesses privados,um problema muito sério. Nos últimos três meses,testemunhamos a troca de princípios democráticos por transacionais,próprios de operações comerciais e financeiras. Busca-se substituir o Estado de Direito pela “lei da selva”.

Quando o senhor fala em um país menos livre é impossível não pensar na deportação sumária de imigrantes enviados a El Salvador. De estudantes com visto em dia detidos por agentes à paisana. De cientistas estrangeiros barrados no aeroporto por criticarem o governo. Os EUA tiveram nestes 100 primeiros dias amostras de como é viver em um regime autoritário?

Não exatamente. Mas quando vi Nayib Bukele,presidente de El Salvador,conversando com Trump no Salão Oval e o tema era a exportação de prisioneiros de cá para lá,pensei: “A próxima parada do salvadorenho será Ancara.” Recep Tayyip Erdogan,presidente da Turquia,assim como Trump,quer se livrar do devido processo legal a que essas pessoas têm direito. As fotos de El Salvador,de prisioneiros sentados em filas,com as mãos na cabeça abaixada,são iconografia fascista. Os EUA,têm sistema federal que nos diferencia da Turquia de Erdogan.

Prisioneiros no Centro de Confinamento de Terroristas (Cecot),em El Salvador — Foto: Escritório de Imprensa da Presidência de El Salvador / AFP

De que modo?

Temos leis estaduais,inclusive eleitorais,que bloqueiam tendências autocráticas. A sociedade civil tem força e acaba de oferecer exemplo simbólico poderoso,o não da Universidade Harvard,ao rejeitar a extorsão do governo Trump. Perderá ao menos US$ 2 bilhões de investimentos federais por sua declaração de independência,mas poderá seguir operando com excelência. Isso não seria fácil para instituições similares em outros países. Sozinha,Harvard impôs limite ao avanço autoritário. Isso não apaga o histórico de Trump,a invasão do Capitólio ou sua recusa em aceitar decisões do Judiciário. Mas há uma grande diferença em ser a menos livre das democracias industrializadas e a mais livre das autocracias. Os EUA dos primeiros 100 dias de Trump estão no primeiro caso.

Uma das premissas da democracia é a oposição livre. Como ela se saiu nestes primeiros 100 dias?

Os comícios antioligarquia do senador Bernie Sanders e da deputada Alexandria Ocasio-Cortez,o discurso do senador Cory Booker e os protestos do HandsOff! funcionaram como exemplos contextuais,mas estão distantes das gigantescas manifestações de 2017. O ex-presidente Joe Biden e sua vice Kamala Harris são incapazes de comandar os democratas. Alguns senadores se posicionam de forma incisiva,mas sem projeção nacional. Sanders a tem,mas,percebido como extremista,é incapaz de unir o partido. Os democratas seguem acéfalos.

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As pesquisas mostram desaprovação de Trump em alta. Há oportunidade de a oposição recuperar eleitores com eventuais recessão e aumento da inflação por conta do tarifaço?

O tarifaço é,até o momento,extremamente impopular aqui. E há um começo de narrativa da oposição nesta linha,de olho nas eleições de meio de mandato,que renovarão a Câmara e parte do Senado no ano que vem. Mas há muito trabalho a ser feito para os democratas,punidos nas urnas não só pela economia,mas pelas políticas migratória e identitárias de Biden,voltarem a ser de fato competitivos. Ainda não há como saber a dimensão dos efeitos do tarifaço. Pode não parecer,mas foram apenas 100 dias de Trump 2.0,muita coisa vai acontecer. Ele pode ser forçado pelo mercado a retroceder mais nas tarifas. E pode fechar acordos com Japão,Coreia do Sul,México e Canadá.

Como avalia a estratégia do governo Lula para o tarifaço?

Correta. O Brasil só fica numa posição menos confortável pela absoluta inexistência de relação entre Lula e Trump. As possibilidades de conexão entre os dois são pequenas. Será surpresa se Trump for a Belém para a COP 30. Hoje,apostaria,se tanto,na ida do secretário de Energia,Chris Wright,provavelmente com um discurso bem negativo. Os EUA terão papel cada vez mais marginal nessas cimeiras,tão importantes para Brasília. E também há,claro,o fator Bolsonaro. Se o ex-presidente estiver bem de saúde,é real a possibilidade de ele usar suas conexões com a Casa Branca e com Musk para debilitar não só o governo Lula,a economia brasileira.

O presidente dos EUA,Donald Trump — Foto: Brendan Smialowski/AFP

Vê aspectos positivos nestes primeiros 100 dias de Trump?

Sim. Nem tudo foi desastroso. Aprecio a tentativa de se detectar e diminuir a ineficiência da máquina pública e o investimento feito na inteligência artificial. No cenário externo,Marco Rubio é um secretário de Estado especialmente fraco. Nestes três meses,a face da diplomacia americana nos conflitos-chave para Washington,Ucrânia e Gaza,foi o enviado especial dos EUA ao Oriente Médio,Steve Witkoff. E detectar o momento de fraqueza de Teerã para tentar avançar nas conversas com o Irã foi o ponto alto,até agora,da diplomacia de Trump 2.0. Adoraria oferecer mais exemplos. Infelizmente,não foi o caso nestes 100 dias.

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