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Carol Solberg: 'Minha mudança foi transformar minha dor na minha força'

07-25 HaiPress

Carol Solberg — Foto: Rata

*Jogadora de vôlei de praia,dupla com Bárbara em Paris,em depoimento à repórter Carol Knoploch

Nosso programa em família sempre foi perto do mar,o momento de curtição era estar na praia. Minha mãe tinha muito isso: o programa legal era o legal para todos. E a praia nos deixava felizes. Desde então,esse é o meu lugar de cura,de conexão,de organizar pensamentos,de encontrar minhas irmãs,de curtir com meus filhos,de surfar e,claro,meu local de trabalho. É um privilégio trabalhar onde sou feliz.

Lembro-me de quando fui jogar em Minas Gerais,pela primeira seleção brasileira de vôlei de quadra. Passei pela peneira e liguei para minha mãe. Estava aos prantos,e ela: “Poxa,você foi cortada?”. E eu: “Não,fiquei”. Para mim,era uma angústia estar longe do mar. Eu tinha 14 anos e,de tempos em tempos,quando voltava ao Rio,me jogava na praia e agradecia por estar ali.

Não sei se seria uma boa jogadora de quadra. Sou baixa. Mas minha decisão pelo vôlei de praia foi do coração,aconteceu naturalmente. Surgiu a possibilidade de jogar com minha irmã,Maria Clara,que à época estava com Ana Richa. Seríamos treinadas pela minha mãe,Isabel,e eu permaneceria no Rio. Não tinha ideia de como se jogava na praia. Brincava,mas nunca tinha feito um treino de verdade. Ela tinha 19 anos,e eu,15. “Vamos ver qual é?”.

Isso não quer dizer que não curtia a quadra. Adorava o som da bola no ginásio. O vôlei sempre foi uma paixão. Passava o dia inteiro no Flamengo. Saía da escola,almoçava e,no clube,queria treinar com todas as categorias,com os meninos... Se me deixassem,ficava jogando o dia inteiro.

No meu primeiro campeonato adulto,uma etapa do Circuito Banco do Brasil de Vôlei de Praia,no Recife,joguei com minha mãe. Ela tinha 42 anos,estava sem treinar. Bateu uma bola naquela semana,e fomos. Foi o máximo. Passamos pelo qualifying e ficamos em último no torneio principal. Um calor... A gente jogou sei lá quantas partidas. No jogo,ela,estirada na areia,pedia para deixá-la um tempinho para respirar. Pedro,meu irmão,estava,foi o primeiro torneio dele também. E Maria tinha ranking e disputou o torneio principal. Todos na mesma competição. Isso nunca mais aconteceu.

Carol Solberg: 'O vôlei sempre foi uma paixão. Passava o dia inteiro no Flamengo. Saía da escola,ficava jogando o dia inteiro.' — Foto: Hermes de Paula

Hoje,tenho 36 anos,dois filhos,mais de 200 torneios internacionais e me sinto cada vez mais forte. Joguei quase 13 anos com a Maria. E vejo o quão especial foi aquela época,ter vivido tanta coisa ao lado da minha irmã e da minha mãe. É muito louco pensar em quanta coisa aconteceu,como era uma menina e achava tudo uma aventura. Agora,no melhor momento da carreira,chego à minha primeira Olimpíada.

Tenho certeza de que ter tido os meninos cedo — José,de 11 anos,e Salvador,de 7 — me fortalece. Penso que,se é para deixá-los para viajar e treinar,então “tem de render muito”. Ser mãe é estar aberta às incertezas. E nos dá poder de adaptação,uma força incrível.

Cresci em casa cheia,né? Com 27 anos,minha mãe já tinha quatro filhos. Tive a sorte de tê-la ao lado no início da maternidade. Ela me ajudou muito,viajou comigo a vários torneios. E,quando não podia levar meus filhos,tê-la em casa era uma segurança. Além dela,tem o Fernando,meu marido,um baita parceiro,que sempre me deu toda a força do mundo para correr atrás deste sonho e que realmente divide a vida comigo. Essa rede muda tudo.

E quando me separei do José pela primeira vez? Ele tinha 10 meses,corria o Circuito Mundial comigo. Fui a uma etapa na China e não o levaria. Eu amamentava. No táxi,chorava tanto,fui assim até a porta do avião. Mas meu sonho não diminuiu. Sempre fiz questão de falar a eles o quanto amo jogar e que toda mãe,independentemente da profissão,tem questões difíceis. Sempre busquei me libertar do sentimento de culpa por deixá-los durante os campeonatos. Esta é a nossa vida,a nossa história,e vamos juntos entendendo como lidar com isso.

Claro que dói quando vejo que sentem minha falta. Eu morro de saudades quando estou fora. Mas foi importante ter entendido que consigo jogar sentindo tudo isso. Não dá para fugir,e está tudo certo. Sou atleta,mãe,tenho milhões de sentimentos dentro de mim... E,quando estou em quadra,está tudo ali,junto e misturado.

O que vivi neste ciclo olímpico foi especial: de confiar em cada pessoa da minha equipe — cada uma tem uma importância tremenda. Não tenho medo de me expor a eles. Tenho certeza de que estamos fechados,e isso é valioso para mim. E olha que os desafios foram inúmeros...

Na reta final é que surgiram patrocínios. Na maior parte,trabalhamos na raça,no amor,tendo de escolher competições para bancar. Fomos avançando do jeito que dava. Não contávamos reais,contávamos pontos para a classificação.

Carol Solberg: 'Sou atleta,junto e misturado.' — Foto: Hermes de Paula

E a corrida olímpica começou um mês após eu perder minha mãe. Foi devastador. Me perguntava como conseguiria tocar. Era impensável. No começo,tentei me blindar. Depois,entendi que não tinha como fugir dessa dor. Essa dor é minha,faz parte de quem sou hoje,e terei de conviver com ela para sempre.

Minha mudança neste processo de luto,durante os torneios,foi tentar transformar minha dor na minha força. Me agarro a ela,não fujo mais. Não importa se estou entrando em quadra ou se estou sozinha. Foi me respeitar e aceitar que meu peito estava rasgado e que teria de seguir do jeito que dava. Quando se desenhava nossa classificação olímpica,sabia que seria uma porrada. Fiquei duas semanas sem ar,de não poder viver isso com minha mãe. Uma alegria desse tamanho,e não ter seu abraço,uma ligação... É uma saudade assustadora.

Estou conectada a ela o tempo inteiro e descobrindo essa nova forma de estar junto. Sei que estamos. Não existe outra opção. Minha mãe foi a duas Olimpíadas (Moscou-1980 e Los Angeles-1984). Pedro jogou na Rio-2016. Fiquei tão nervosa quando o vi entrando naquela arena. Salvador tinha nascido há 20 dias. Dei de mamar,e eu e Fernando saímos de moto,na correria,para a estreia.

Agora é a minha vez. Quero curtir cada momento,entregar tudo o que tenho. Sonhei tanto com isso. Tentei tanto (desde Pequim-2008). Estou amarradona. Meus filhos e o Fernando estão comigo. E disputar uma Olimpíada com filhos grandes é especial. Eles participaram da corrida,José correu o Circuito Mundial por dois anos quando era pequenininho. Sabem da importância para mim,sabem que amo jogar vôlei.

É isto: tenho uma carreira longeva,e o que me manteve nela foi o amor. O que me move é o que sinto em quadra,a troca e a confiança que tenho na Bárbara e no meu time. Realmente amo jogar,adoro sentir todas as dores e a felicidade junto,misturado,ali dentro.

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