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Artigo: O Direito Administrativo 30 anos após o Plano Real

07-26 HaiPress

Filas para trocas as cédulas antigas por Real,em julho de 1994 — Foto: Júlio César Guimarães / Arquivo - 01/07/1994

RESUMO

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GERADO EM: 26/07/2024 - 07:00

Aniversário do Plano Real e o Direito Administrativo pós-reforma: desafios e transformações

O aniversário do Plano Real é uma oportunidade para revisitar o Direito Administrativo pós-reforma. Transformações legislativas,como agências reguladoras e contratos administrativos,marcaram o período pós-1995. A constitucionalização e expansão do campo jurídico-administrativo influenciaram profundamente o Direito Administrativo,levando a debates sobre princípios constitucionais e a judicialização excessiva. A busca por um modelo eficiente continua desafiadora para os juristas.

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A comemoração do aniversário redondo do Plano Real,que derrubou a inflação e iniciou um novo ciclo econômico e social no Brasil,é uma oportunidade para pensar também na era em que ele surgiu e em seus impactos diretos e indiretos no direito administrativo.

O período de 1995,com a posse de Fernando Henrique Cardoso na Presidência da República,a 2007,nos primeiros anos de Lula,não foi só de luta contra a inflação e o déficit público. Foi também de administrações públicas em reforma.

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Houve amplas mudanças constitucionais,inclusive para reorganizar a atuação do Estado na economia,a gestão administrativa do Judiciário,a previdência social e os regimes e as remunerações dos servidores públicos; com muitos processos de privatização e de abertura à concorrência em setores antes monopolizados por ação estatal; com normas,ajustes e atos impulsionando a participação popular e do Terceiro Setor em temas administrativos,bem como avanços nos serviços e nos programas sociais. A Constituição inflou: foram 52 emendas constitucionais em 13 anos,algumas bem extensas,como a nº 19,da reforma administrativa,com mais de cinco mil palavras. E a legislação administrativa de caráter geral explodiu.

No período,o poder público incrementou o esforço de regulação,criando agências reguladoras com alguma autonomia,e de contratação de novos empreendimentos e serviços com particulares,iniciativas que dependeram de formas jurídicas sofisticadas para organizar uma atuação estatal bem diversificada. Para isso o direito administrativo foi se renovando e ampliando; e ficou mais complexo.

Nos anos 1990,enquanto economistas envolvidos em reformas sofriam entre meandros jurídicos — inicialmente debelando a inflação,depois reconstruindo o Estado —,por seu lado,os juristas especializados em questões públicas aprendiam sobre termos,orientações e condicionantes econômicos e tentavam trabalhar na construção das novas instituições. Foi assim que a expressão direito administrativo econômico seria assumida como síntese de um campo que se expandia.

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Nesse período de passagem entre os anos 1990 e 2000,os administrativistas brasileiros mais jovens começaram a repensar tradições ao ficarem expostos a perspectivas muito diferentes das suas,como a abertura à interdisciplinariedade,caso do professor da Uerj André Cyrino,que utilizou a teoria das escolhas públicas para propor uma visão de “carne e osso” sobre legalidade e a análise econômica do direito como instrumento para aplicar a sério o princípio da eficiência administrativa. Isso geraria naturais estranhamentos e inspirações.

Só que uma transformação ainda mais larga vinha ocorrendo aos poucos. A arena jurídico-administrativa vinha passando por enorme expansão: a sociedade inteira,e não apenas o mundo econômico,se aproximara do campo estatal. Isso mudaria o direito administrativo para sempre.

O ambiente do direito administrativo do país no início do século XX havia sido de administrações públicas ínfimas e com escassas promessas e prestações. Leis administrativas e regulamentos olhavam poucas questões,de poucas áreas. Os controles públicos eram embrionários,e as intervenções,pontuais. A arena jurídico-administrativa era restrita,com um círculo mínimo de gente transitando por ali; a maioria dos empreendedores,trabalhadores e marginalizados nascia e morria ao largo,sem jamais ver pela frente um advogado da área. Mas,na passagem entre os séculos XX e XXI,tudo estava mudado. A arena jurídico-administrativa explodira.

Foi aí que a constitucionalização e a principiologia viraram a febre dos administrativistas e tomaram os processos estatais de todos os tipos. Amplas reformas e choques de interesse estavam dividindo a sociedade brasileira no final do século XX e,claro,também os administrativistas — alguns simpatizando ou aceitando,outros reagindo com argumentos constitucionais,em geral principiológicos.

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Foram frequentes as idas à Justiça com esse tipo de alegação,em tentativas de adiar,impedir ou derrubar reformas (privatizações,por exemplo),algumas vezes com êxito. Invocava-se a ideia de Constituição Cidadã para criticar as reformas constitucionais iniciadas em 1995 como supostos ataques neoliberais à cidadania.

As leis perdiam prestígio no ambiente jurídico em favor de soluções inventadas por professores,advogados,promotores e juízes com a invocação convencional e algo frouxa de princípios constitucionais — muitas vezes princípios “implícitos” ou vagos. É como se os juristas e tribunais,sentindo-se legitimados pela sobrevivência post-mortem do sentimento constituinte,assumissem a função de constituintes fantasmas para lidar com casos concretos.

Então,desde o final dos anos 1990,o mundo jurídico,à moda dos quartéis militares do passado,passou a julgar-se fiador da estabilidade e motor do desenvolvimento. Sentimento que persistirá,sem que os políticos,seguidamente desmoralizados em escândalos e divisões,consigam se legitimar por inteiro no papel.

Avaliando em 2008 o impacto da Carta de 1988 nesse campo,Luís Roberto Barroso falou de uma sensação que iria “do espanto ao fastio” por conta do número de princípios e regras,e relatado a tendência,até então,de se reconhecer à Constituição “uma supremacia material,axiológica,potencializada pela abertura do sistema jurídico e pela normatividade de seus princípios”,levando a um fenômeno de “filtragem constitucional”,de “reinterpretação” de todo o Direito positivo “sob uma ótica constitucional”.

Porém,sua conclusão à época parecia bem cautelosa. Primeiro,alertando contra a “constitucionalização exacerbada” e suas “consequências negativas”,entre as quais o “engessamento da legislação ordinária” e “o decisionismo judicial”. Segundo,acenando com dois parâmetros interpretativos para combater a exacerbação constitucional: a “preferência pela lei” e a “preferência pela regra”.

Só que,anos depois,já ministro do Supremo Tribunal Federal,ele viria a nuançar bastante a cautela,sustentando que as cortes constitucionais constituiriam uma “vanguarda iluminista,encarregada de empurrar a história quando ela emperra”.

Talvez Barroso tenha apenas expressado as tendências dos juristas de seu tempo. Nas últimas cinco décadas,os desafios públicos haviam se somado rapidamente e deixado marcas jurídicas profundas no direito administrativo. São juristas que se iniciaram no campo público justamente no período fervilhante que precedeu e propiciou a redemocratização,depois se engajaram em fazer valer a Constituição,para logo sentirem receio quanto aos riscos da judicialização excessiva — em especial a que tentava combater as reformas que,seja por imposição das crises fiscal e monetária,seja pela busca de eficiência na prestação dos serviços públicos e sociais,iam sendo decididas pelos Poderes democráticos.

Foi uma geração que ainda teria de se enredar com a profunda crise do Estado tomado pela corrupção,sofreria com a ascensão dos radicalismos e ameaças à democracia,e que segue hoje seu caminho zonzo,tateando entre o passado e o desconhecido,na busca pragmática de um modelo de direito administrativo que talvez funcione.

*Carlos Ari Sundfeld é professor titular da FGV Direito SP

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