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Ana Sátila: ‘Foram muitos anos na água para reencontrar a felicidade’

07-31 HaiPress

Ana Sátila - Canoagem — Foto: Rata

*Canoísta,em depoimento à repórter Carol Knoploch

Chego à quarta Olimpíada aos 28 anos. Comecei cedo. Em Londres-2012,era a caçula do Brasil. Lembro que entrei na seletiva,em Foz do Iguaçu,sem saber que valia vaga olímpica. Sabia que era importante. Só. Quando ganhei,após uma prova de recuperação,foi a maior festa. Tinha gente pulando na água. Uma jornalista me parabenizou pela classificação aos Jogos,e pensei: “Será que não tem outra competição para definir isso?”.

'Remei por amor. O que vivi lá,aos 15 anos,é o que tento trazer aos dias atuais' — Foto: Hermes de Paula

Entrei naquela prova com a cabeça de dar o meu melhor. Ia ter uma gringaiada,concorrência forte,mas eu não estava nem aí. Queria apenas fazer a minha competição. Por isso,ela é marcante para mim. Remei por amor. O que vivi lá,é o que tento trazer aos dias atuais.

E revivi essa época nas últimas competições. Remei sem medo,sem querer provar nada a ninguém. Era para mim. Estou num momento espetacular,tive uma trajetória linda neste ciclo de Paris-2024 e estou contente com a minha entrega,com o fato de ter sido constante. Acho que voltei à minha essência. Parece um transe profundo,um mergulho no meu trabalho. Por isso,digo: estou preparada para tudo. Não é que acho que estou preparada,tentando enfiar na cabeça... Eu sei que estou.

Além dos Jogos Pan-Americanos de 2023 — quando conquistei dois ouros — e da quinta posição no Mundial de 2023 (no C1 e no K1),ganhei duas medalhas no Circuito Mundial deste ano (prata no C1 na Copa do Mundo da Cracóvia e bronze no K1 na etapa de Augsburg). Esta é a primeira vez desde 2019 em que voltei ao pódio em duas disciplinas diferentes na mesma temporada.

Ciclos difíceis

Cheguei a Paris-2024 confiante,sim. Mas é mais que isso. Cheguei feliz. Foram muitos anos na água para reencontrar a felicidade. Claro que tenho de me provar diariamente,dar resultado dia sim,dia não. Mas o importante,no fim das contas,é estar feliz com o trabalho.

Sabe quando tudo se encaixa? Neste ciclo,uni tudo de que preciso. Tanto na parte de estrutura e treinamento,quanto nas áreas psicológica e pessoal. Quando estou ali na largada,sei que fiz o que podia. E essa confiança tem sido decisiva para mim. Eu entrego tudo!

Neste ciclo,uni a volta do meu treinador,Ettore Ivaldi,que estava com a seleção italiana,com o apoio financeiro e o trabalho com a psicóloga Maíra Ruas Justo. Também me refiro à mudança para o Rio,onde comprei apartamento perto do local de treino. Tenho o canal olímpico de Deodoro,um legado da Rio-2016,à minha disposição,além de um time de profissionais do Comitê Olímpico do Brasil ao lado.

''Também devo essa segurança que sinto hoje ao trabalho psicológico. Mudei bastante' — Foto: Hermes de Paula

Sempre tive excelente conexão com Ettore. Ele é um pai para mim,me ensinou praticamente tudo o que sei sobre canoagem. E a gente se conhece muito bem. Ele sabe quando não estou bem sem eu abrir a boca. Escolhe as músicas para eu ouvir no fone de ouvido durante o aquecimento. Faz a seleção ali,na hora. Sabe exatamente o estilo de que preciso para aquele momento.

Foi o Ettore,que é italiano,quem cuidou de mim em Londres-2012. Eu era muito nova,sem experiência,não falava inglês e mal entendia o que ele dizia... À época,não tinha celular,não fazia contato com a minha família direito e também não tinha alarme,né? Como acordaria cedo para o treino? Ele me acordava jogando pedrinha na janela do quarto. Apesar de não estar preparada para tudo aquilo,de não ter ideia da dimensão dos Jogos Olímpicos,tive uma boa participação.

Na Rio-2016,foi o oposto. Eu era a quarta do ranking mundial. Tinha ido ao pódio em todas as etapas de Copa do Mundo que disputei. Em casa,com a minha família na torcida,quis fazer mais do que de fato podia. Me pressionei muito (terminou em 17º,uma posição atrás de Londres-2012). Esqueci de ser feliz no barco. Foi frustrante. Demorei muito tempo para falar sobre isso.

E teve Tóquio-2020,um ciclo difícil. Eu me sentia bem,tinha estrutura e apoio financeiro,mas fiquei sem treinador. Meu namorado à época abriu mão de sua carreira para me ajudar. Mathieu Desnos (canoísta francês) esteve ao meu lado na final olímpica,e serei eternamente grata. Mas não foi o suficiente para chegar ao pódio. Tivemos momentos incríveis,mas acredito nos ciclos da vida. Hoje,somos bons amigos.

Muitas paixões

Essa parte pessoal é importante para mim também. Em Paris,terei ao meu lado Omira,minha irmã,que também é canoísta. Ela está aqui para me apoiar. Moramos juntas e ficamos 24 horas na companhia uma da outra. Sou melhor com ela. E também Lucas Verthein,meu namorado (atleta do remo,eliminado ontem e que disputa a semifinal B hoje).

Lamento apenas que meus pais não puderam vir. Meu pai teve diagnóstico de câncer no pulmão. Foi um choque no início,mas ele está se cuidando,se recuperando. Passou pelo duro processo de combate à doença e voltou ao trabalho com a energia lá em cima. Tem 73 anos,mas parece que tem 30. Sua superação de vida é inspiradora para mim. Com ele,comecei a nadar aos 5. Depois,fomos para a canoagem. Ele abriu mão de muita coisa para investir na gente. Estou aqui graças a ele,aos seus cuidados e ensinamentos,como ser destemida e persistente,não aceitar pouca coisa,querer fazer melhor e acreditar em mim.

Também devo essa segurança que sinto hoje ao trabalho psicológico. Mudei bastante. Há um ano e meio,Maíra me ajuda a pensar com outra cabeça. Tinha dificuldade para me abrir,falar o que sinto. Muitas vezes,sofria calada. Quando aprendi a falar “não”,que gosto disso e não quero aquilo,tudo mudou. Posso dizer que chego bem nas três modalidades: caiaque (terminou em quarto lugar,melhor resultado do país na modalidade em Olimpíadas),canoa e caiaque cross. Esta última foi pensada para ser radical e estreia em Paris-2024 (Ana Sátila foi prata no Mundial de 2018).

O cross começa com descida em uma rampa. Parece que existe competição para ver qual país tem a rampa mais alta. Quatro atletas competem a cada tomada. O percurso tem até seis portões que acompanham a correnteza e dois contra a correnteza. Há também o rolamento em pontos específicos. É quando temos de virar de ponta-cabeça na água. E outra: o barco,de plástico e pesadão,é para ter contato mesmo,batida. Existe técnica para atrapalhar o rival,sem machucar,claro. A prova é feita para o circo pegar fogo.

Se me perguntar qual prefiro... Vixe! Comecei no caiaque. Por insistência do Ettore,encarei a canoa. Não gostava de ficar ajoelhada,remar apenas de um lado... Sentia muita dor. Hoje,confesso,estou mais para a canoa. Complicou? Assiste a todas,valerá a pena. Eu garanto.

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