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Presa uma única vez há 20 anos, mulher é investigada pela invasão de 11 casarões no Centro do Rio

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Rosimar da Conceição,ou Burunga,foi presa por associação ao tráfico em 2004 — Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo

RESUMO

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GERADO EM: 18/08/2024 - 04:30

"Trajetória criminosa de 'Burunga': de traficante a líder de invasões no Rio"

Mulher ligada ao tráfico há 20 anos agora envolvida em invasão de casarões no Rio,desafiando autoridades. Com apelido de "Burunga",ela expande domínio imobiliário,suspeita de liderar invasões com lucro mensal de até R$200 mil. Autoridades enfrentam desafios na coleta de provas contra ela. Burunga já teve passagem pela prisão,ligada ao Morro dos Prazeres e ao tráfico de drogas. Ações recentes da polícia resultam em prisões e pedidos de reforma dos locais invadidos.

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Nos Arcos da Lapa,à noite,um grupo de ao menos 30 adolescentes de rua se reunia à espera de instruções. Quando a maioria chegava,uma mulher aparecia para um rápido contato. A pele negra,a roupa à moda “anos 2000” (curta,apertada,com a barriga à mostra),o andar despreocupado chamam a atenção de imediato. Principalmente,do policial que a filmava,escondido em um carro estacionado no início da Rua Joaquim Silva,onde hoje ficam homenagens a Zé Pelintra. A qualidade precária da gravação denuncia a época em que foi feita: meados do primeiro semestre de 2004. A jovem flagrada vem a ser Rosimar da Conceição,como é conhecida no crime. Ela tinha 27 anos,foi presa e condenada por associação ao tráfico de drogas.

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Foram sete anos cumprindo pena na Cadeia Pública de Magé,enquanto o processo caminhava na 17ª Vara Criminal da Capital. Entre sentenças,pedidos de recurso e apelação,ela foi solta no dia 22 de dezembro de 2011,um dia antes de completar 34 anos. Liberta,sumiu do mapa por um tempo até ser,por acaso,encontrada pela polícia em uma operação contra o tráfico na Rua do Lavradio 122,em 2013.

À época,os agentes se surpreenderam com a presença da Burunga,que morava em uma das casas,mas,como não tinham provas contra ela,só ficaram com a pulga atrás da orelha. Depois,em investigações futuras,esbarraram com ela outras vezes,tanto em casos sobre o comércio de drogas,quanto em um novo esquema: a invasão de casarões abandonados no Centro da cidade. Apesar das suspeitas,ela nunca mais foi presa.

Desde 2021,uma equipe de investigação da Polícia Militar tem submetido à Inteligência da corporação relatórios anuais sobre a Burunga. A impressão dos agentes é que,durante a pandemia,ela conseguiu expandir a tomada dos imóveis,todos privados. O último documento enviado,de junho passado,lista 11 endereços em posse dela,a maioria na Avenida Mem de Sá,principal da boemia da Lapa. A região é chefiada de longe por Claudio Augusto dos Santos,o Jiló,gerente do Comando Vermelho no Morro dos Prazeres,e,segundo relatos,amigo próximo da suposta invasora.

Ligada ao Morro dos Prazeres

Se colocado na ferramenta pública de nascimentos e óbitos do Tribunal de Justiça do Rio,o nome da Burunga revela que ela nasceu em Niterói. Buscando pela filiação,aparecem ao menos mais seis irmãos por parte de mãe — como o nome é curto e,de certa forma,comum,é difícil dar certeza. O mesmo acontece com o número de filhos: se o site estiver certo,ela teve ao menos quatro.

Pouco se sabe sobre o passado dela,mas relatos narram que,entre as décadas de 1980 e 1990,ela ia para o Centro do Rio vender tíner aos adolescentes de rua. Usado para a remoção de tintas e esmaltes,o químico pode causar dependência tanto quanto o crack e a cocaína,e não leva ninguém à prisão. As idas à capital também incluíam visitas a bailes funks,principalmente no Rio Comprido e no Morro dos Prazeres,onde conheceu o Jiló. Os dois ficaram próximos e Burunga passou a ser conhecida pelo Comando Vermelho daquela comunidade. Depois,tornou-se “braço-direito” do traficante,sendo valorizada por não chamar a atenção das autoridades.

Ela só veio a ser descoberta na operação de 2004,chamada “Lapa Limpa II”. A primeira havia acontecido um ano antes,e deixou os policiais com crédito entre os moradores da região. Animados com o trabalho,os agentes passaram a divulgar incessantemente o telefone da 5ªDP (Mem de Sá),que tocava com frequência. Entre trotes e denúncias anônimas,eles receberam informações de que uma mulher era responsável por chefiar adolescentes de rua,dando-lhes instruções sobre a venda de drogas. Juntando os pontos,descobriram que o nome dela era Rosimar da Conceição,ou Burunga.

A operação foi planejada com cuidado. Durante semanas,um agente ficou em pontos estratégicos da Lapa à espera de flagrar a mulher,que nunca aparecia. Ele usava roupa à paisana e ficava dentro de uma viatura descaracterizada. Até que um dia acertou o local,na Rua Joaquim Silva,e viu todo o movimento da mulher. Ela aparece por cerca de cinco minutos,fala aos adolescentes e vai embora no sentido contrário ao Centro.

Nos dias seguintes,outros policiais flagraram a venda de drogas nos Arcos. Os adolescentes,em grupos,escondiam os entorpecentes em bueiros,no “pé” de postes e árvores,e os vendiam aos interessados,fosse à luz do dia,ou da noite. Todo o material produzido foi condensado em um vídeo de pouco mais de 12 minutos,que virou prova importante no processo que condenou Burunga e os demais envolvidos.

Parte da legenda do vídeo,que flertava com um suspense,explicava o papel dela à época: “Cerca de 50 menores são comandados pela traficante ROSIMAR DA CONCEIÇÃO,conhecida também como.....BURUNGA”. As letras garrafais aparecem junto à foto da mulher presa,de pé para um painel azul que indicava sua altura de cerca de 1,64 metro. “Ela faz rápidas reuniões sob os Arcos da Lapa,onde determina a forma de atuação de seu bando”. Depois,segue o vídeo feito às escondidas pelo agente. A mulher passa em frente à janela do carro e não percebe ser filmada.

O "ramo imobiliário"

Condenada incialmente há 16 anos de prisão,Burunga conseguiu uma reformulação na sentença,que diminuiu para 12. No entanto,um pedido de nulidade feito pelos outros dois réus acabou beneficiando a mulher,inocentada do crime de tráfico (não havia indícios suficientes de que ela vendia drogas,embora estive associada ao grupo criminoso). Rosimar só volta a ser citada em um processo de 2018,já arquivado: o juiz decidiu que não era possível condenar os 15 réus,também por tráfico,apenas com base em redes sociais,como citava a denúncia. Entre os criminosos listados,estavam dois prováveis filhos da Burunga e o Jiló.

Nem a Polícia Militar ou a Civil,que também a investiga,sabe afirmar quando ela migrou para o "ramo imobiliário". A primeira corporação conta ter recebido denúncias anônimas ao longo dos anos,enquanto a segunda foi procurada algumas vezes por proprietários e comerciantes ameaçados por ela. Contudo,ambas instituições enfatizam a dificuldade na coleta de informações: flagrantes são quase impossíveis,já que ela não se expõe,não anda com drogas,não faz vendas diretamente,nem é a pessoa que invade de fato os imóveis,quem é aliado a ela não vai “cagoetá-la”,tanto por respeito,quanto por medo.

— Ela estuda o terreno e manda os outros fazerem o serviço — disse um policial ao GLOBO.

De mando em mando,ela já conquistou ao menos 11 endereços,como mostra o relatório da PM. Desses,seis estão na Mem de Sá,enquanto os outros estão espalhados pela Praça da Cruz Vermelha,na Rua Tenente Possolo,na Rua do Riachuelo e na Rua do Senado. Há ainda um na Rua do Lavradio 122,a invasão mais antiga e onde ela foi encontrada,de supetão,em 2013.

Segundo o policial,a mulher recebe informações sobre quais imóveis são os mais vulneráveis à invasão. Geralmente,são aqueles abandonados,cujos donos não têm interesse ou dinheiro para reformar ou para pagar por processos litigiosos,como os de inventário. Ficam em ruas ermas,com pouco policiamento e comércio,e próximos a outros casarões na mesma condição. No entanto,o agente conta que Burunga também se apropria de residências com moradores já instalados. Nesses casos,ela escolhe aqueles em estruturas precárias,na qual as pessoas são pobres e,muitas vezes,moram de forma ilegal (as ocupações). Assim,ela cobra uma taxa pela permanência do morador e,caso ele não possa pagar,é colocado para fora,sem mala nem cuia.

Mas,como ele reforça,o trabalho sujo não é da suposta criminosa,e sim dos encarregados,que cumprem as ordens. São eles que invadem,quebram os portões,se não for chamar a atenção,ou entram pelas janelas,pelo telhado. Expulsam quem precisar,dão uma vigiada para ver se o local é “limpo” — longe dos olhares da polícia — e trocam as fechaduras,ou a porta inteira,se necessário. O que fazem em seguida? “Loteiam” o espaço. O relatório da PM,por exemplo,estima que o bando da Burunga arrecada R$ 600 mensais por aluguéis. Se o prédio invadido tiver 30 apartamentos,já são R$ 18 mil. Se os 11 tiverem 30,são quase R$ 200 mil por mês. O valor pode não surpreender tanto,somado às outras atividades do grupo,deve gerar um bom montante. Além disso,como poucos integrantes são flagrados na ilegalidade,acaba compensando.

Um ponto fora da curva é o endereço da Rua do Lavradio 122. Tombada pela prefeitura no projeto “Espaço de Moradia ao Sul do Corredor Cultural”,em 1987,o local abriga uma pequena vila,atualmente,aos pedaços. Ela é vizinha de ao menos quatro entidades estaduais,o Tribunal Regional do Trabalho,a 5ªDP,o “QG” da Polícia Militar e a Secretaria Estadual da Polícia Civil. Durante cerca de 20 anos,a vila funcionou simultaneamente como residência e como principal boca de fumo da Lapa,uma extensão do tráfico do Morro dos Prazeres. Para viver nos cortiços era necessário ter a anuência do Jiló,que via vantagem na presença de famílias por ali — ajudavam a criar "legalidade” e exigiam mais cuidado da polícia durante as ações. O cenário mudou no último dia 30 de julho,quando uma operação da 5ªDP prendeu nove criminosos,indiciados por associação ao tráfico,venda de drogas e furto de água e energia.

A delegacia confia ter acabado de vez com o tráfico na vila,já que os agentes arrancaram até a porta de ferro que fechava o depósito das drogas,mas há quem diga que as vendas já voltaram,mesmo que de forma singela. Após a operação,a 4ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa do Meio Ambiente e do Patrimônio Cultural da Capital enviou à Justiça uma ação civil pedindo que a prefeitura reforme o local. O município foi condenado e tem até 360 dias para restaurar os imóveis,preservando as características arquitetônicas históricas. Também deve desocupar e interditar o local,garantido direito à moradia a quem vivia por lá. Em caso de descumprimento,a multa diária é de R$ 20 mil. Por nota,a Procuradoria Geral do Município informou que “foi notificada e,no momento,analisa a sentença”.

Para a matéria,o GLOBO tentou encontrar a defesa e a própria Rosimar da Conceição,mas não conseguiu.

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