Os americanos criam a primeira IA capaz de criar o material genético de um ser vivo; veja o que isso significa
11-22 HaiPress
Ferramenta de IA é capaz de gerar genomas do zero — Foto: Editoria de Arte/André Mello
RESUMO
Sem tempo? Ferramenta de IA resume para vocêGERADO EM: 21/11/2024 - 11:52
IA EVO: Revolucionando a Genômica ou Risco de Armas Biológicas?
Cientistas americanos apresentam EVO,uma IA capaz de criar sequências genéticas de micróbios. EVO promete acelerar pesquisas de medicamentos,contudo,há preocupações sobre seu potencial para gerar armas biológicas. O programa foi treinado por 4 semanas e poderá ser utilizado para identificar mutações associadas a doenças hereditárias. Há expectativas de que EVO auxilie na compreensão do "DNA escuro" e avance na genômica.O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
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Sem muito alarde,cientistas americanos apresentaram este mês Evo ao mundo. Diferentemente de outros programas de inteligência artificial que se fazem de seres humanos,Evo está mais para se fazer de Deus ou força de criação,como uma Eva bíblica da alta tecnologia. Ele consegue criar sequências de genomas do zero. Isto é,as instruções genéticas para,em tese,gerar novas formas de vida. Por ora,somente genomas teóricos de micróbios.
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Ele nasceu com a promessa de acelerar pesquisas de medicamentos,a compreensão de doenças e a evolução da vida na Terra. Mas,se mal usado,teme-se que possa gerar armas biológicas,pragas e drogas mais letais.
Se aperfeiçoado,ele pode gerar sequências aptas a gerar genomas sintéticos,isto é,feitos em laboratório. Por enquanto,ele ainda tropeça e suas sequências ainda não compõem genomas viáveis.
Mas,os cientistas estão convictos que está evoluindo em seu aprendizado e é questão de tempo até produzir sequências aptas. A questão não será capacidade,mas a decisão de usá-la,mais um dos desafios inéditos trazidos pela IA.
Evo foi desenvolvido pela equipe liderada pelo biólogo Brian Hie,da Universidade de Stanford,e descrito num estudo publicado na revista Science,repercutido pela Nature.
O trabalho contou com a participação de pesquisadores ligados ao Arc Institute,uma instituição americana financiada por filantropia e voltada para projetos de alto risco,mas também de retorno potencialmente elevado.
Diferentemente da maior parte dos projetos de modelos de inteligência artificial,mantidos em segredo,Evo será publicamente disponibilizado para que outros cientistas possam usá-lo. O lado bom é a democratização do acesso,o ruim é que a possibilidade de mau uso.
Em testes,Evo se mostrou capaz de fazer com a linguagem do DNA o que o ChatGPT e similares fazem com a linguagem escrita. Mas ele não foi alimentado com informação da internet ou de bancos de dados. Evo aprendeu com bilhões de linhas de sequências genéticas de microrganismos.
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Agora,consegue deduzir como genomas de vírus e bactérias funcionam. E,com isso,desenhar novas proteínas e até mesmo outros genomas. Estes últimos,por enquanto,somente de microrganismos.
Hiu e sua equipe treinaram Evo por quatro semanas. Ele aprendeu sozinho com 80.000 genomas de micróbios,além de milhões de sequências de vírus que atacam bactérias e plasmídeos,que são pequenos pedaços independentes de DNA.
À Science,Hie reconheceu que sua criatura poderia ser empregada por pessoas mal intencionadas. Para evitar isso,Evo não foi treinado com qualquer informação genética de vírus que infectam seres humanos ou outros seres vivos que não sejam micróbios.
Nem todo mundo ficou convencido de que isso será suficiente,mas é inegável que se trata de um dos grandes avanços da inteligência artificial. O biólogo computacional Arvind Ramanathan,do Argonne National Laboratory,disse que o programa “é extremamente significativo” e traz uma série de possibilidades promissoras.
Evo é um passo à frente de programas de inteligência artificial especializados em biologia. Um dos de maior impacto é o AlphaFold,que consegue descobrir a estrutura de proteínas a partir de suas sequências de aminoácidos. Isso é fundamental para entender,por exemplo,a função de uma proteína.
Porém,programas de IA de uso geral,a exemplo do ChatGPT,são mais versáteis. Não precisam ser treinados para tarefas específicas. O ChatGPT é o que se chama de modelo de linguagem grande (LLM) porque consegue trabalhar com praticamente qualquer tipo de documento que contenha palavras.
Modelos de biologia molecular,cuja base é o DNA,conseguem analisar sequências de DNA como se fossem palavras. Mas,até agora,só pequenos trechos de DNA.
Segundo a Science,uma das coisas que os pesquisadores fizeram foi aumentar o “comprimento de contexto”,as instruções de busca que usa para descobrir padrões no DNA. Isso foi fundamental para que Evo pudesse encontrar genes e conexões entre eles.
O novo modelo também tem uma resolução maior. Não apenas lê sequências mais longas quanto consegue chegar a nível de nucleotídeo,a unidade básica do DNA. Ou seja,resolução de letras em vez de palavrinhas.
— O DNA não é nada mais do que letras. Genes têm um padrão,trechos sem função conhecida,têm outra. O Evo aprendeu a compreender melhor essa linguagem — explica o geneticista Mariano Zalis,professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Evo passou por diversos testes,inclusive de edição genética,a técnica de inserir ou remover genes de um ser vivo. Ainda é experimental e,por vezes,alucina. Mas,de acordo com a Science,o resultado final é satisfatório e ele deverá ser ainda mais aperfeiçoado.
O programa já consegue prever,como uma mutação pode atrapalhar uma proteína. Em testes com mutações bem conhecidas,os resultados obtidos por ele foram iguais ou melhores aos de outras experiências. Isso leva os cientistas a supor de que ele pode mesmo identificar novas mutações e descobrir quais os seus efeitos.
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Mesmo antes Evo,a IA já vem transformando a forma de estudar e produzir genômica. Zalis frisa que programas são capazes de projetar “superproteínas” e acelerar procedimentos. Mas Evo vai além e poderá desenhar genes.
— O lado ruim disso é que ele pode,à medida que evolui,aprender a fazer superbactérias ou supervírus que,escapem do sistema imunológico e de qualquer droga. Isso é uma hipótese,mas não pode ser ignorada — observa Zalis.
O foco do grupo de Hiu foi a tecnologia de edição gênica de CRISPR. Em especial,procurou como melhorar os bisturis empregados pela CRISPR,enzimas chamadas CAS 9. Elas reconhecem,cortam e inserem sequências genéticas dentro de um genoma.
— Eles conseguiram produzir CAS 9 muito mais eficientes específicas,que poderiam ser usadas em terapias gênicas. Porém,eles não utilizaram isso em organismos mais evoluídos,como plantas e animais — explica Zalis.
Uma aplicação mais imediata de Evo seria usá-lo para identificar o que fazem exatamente certas mutações associadas a doenças hereditárias. Elas são chamadas pelo autoexplicativo nome de variantes de significado incerto,ou a sigla VUS.
— Hoje essas variantes nos confundem muito sobre se têm ou não efeito em determinada doença. É o caso de alguns cânceres hereditários. Hoje ninguém entende isso porque são casos raros. Acredito que programas como o Evo poderão solucionar isso — diz Zalis.
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O geneticista acrescenta que antes mesmo de Evo desembarcar em laboratórios mundo afora,a IA tem dado contribuições importantes. Uma delas é a interpretação de imagens. Já existem,programas que escaneiam e interpretam amostras de biópsia de câncer.
— Esses programas fazem em quatro minutos o que um teste genético levaria de sete a dez dias para realizar — destaca Zalis.
Uma das fronteiras da genômica que Evo pode ajudar a ciência a ultrapassar é o mundo do chamado DNA escuro,do inglês dark DNA.
O genoma tem uma linguagem que ainda não compreendemos bem,diz Zalis. Evo pode nos dar fluência nessa linguagem. Exemplo disso é o próprio genoma humano. Apenas 1% dele é composto por genes — temos 25 mil genes.
— Esperamos que a IA nos ajude a descobrir o que fazem exatamente esses 99% escuros,a iluminar a complexidade que o genoma tem e ainda não conseguimos compreender direito. Isso é o futuro da genômica. E estamos começando agora — salienta Zalis.