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O dia em o destino de Nadine Heredia e Ollanta Humala se enredou com a Odebrecht no Peru

04-18 IDOPRESS

Nadine Heredia ao lado do marido,Ollanta Humala — Foto: Infoglobo

A pouca mobília no pequeno apartamento em que a futura primeira-dama do Peru,Nadine Heredia,recebeu o chefe da Odebrecht no país,Jorge Barata,naquela tarde de março de 2011,não deixava dúvida de que o local estava desabitado havia algum tempo. Embora o predinho de três andares no bairro de Miraflores,área nobre de Lima à beira do Oceano Pacífico,fosse exclusivamente residencial,o local se convertera em uma espécie de bunker de campanha,onde o candidato a presidente Ollanta Humala,do Partido Nacionalista,fazia suas reuniões privadas.

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A legenda esquerdista,fundada por ele mesmo cinco anos antes,nunca tinha vencido uma eleição presidencial. E,por um bom tempo,pareceu que não seria desta vez. Humala começara a campanha como azarão,no início de 2010,e passara quase todo o tempo em quarto lugar nas pesquisas,atrás de Alejandro Toledo,Luis Castañeda e Keiko Fujimori. Mas quando Barata visitou Nadine,a vitória de Humala já não era mais uma possibilidade remota.

Nadine abriu a porta e conduziu Barata e Raymundo Serra,seu auxiliar direto,até um dos quartos. De passagem pela sala,notaram a mesa da secretária,passaram os olhos pelo frigobar e pelas duas poltronas que compunham a decoração franciscana e sem graça e entraram no escritório improvisado. Era um ritual conhecido. Antes de chegarem ao que efetivamente interessava -- o momento em que Nadine abria o armário,pegava a mochila de Barata e despejava lá dentro os muitos maços de dinheiro —,conversavam um pouco sobre política.

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Os fatos daquele dia me foram relatados por fontes que deram entrevistas para o livro A Organização,em que conto como a Odebrecht se transformou na maior empreiteira do Brasil e acabou se tornando o centro do maior escândalo de corrupção documentado no planeta até então. O livro foi lançado no final de 2020,mas as cenas relatadas aqui ainda não haviam sido publicadas.

Em 2011,Nadine Heredia e Jorge Barata eram duas das figuras mais poderosas do Peru. Formada em Comunicação Social e doutora em Ciências Políticas na Sorbonne,ela ajudara a fundar o partido e tinha sido fundamental na ascensão de Humala. Já Barata fizera a Odebrecht se tornar a maior empreiteira em atividade no país e era visto pelo empresariado local como uma espécie de “fazedor de reis”.

O governo Lula em imagens

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Com a ausência do antecessor,Lula subiu a rampa e recebeu a faixa das mãos do povo — Foto: Hermes de Paula/Agencia O Globo

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Lula se emocionou ao discursar contra a fome,que prometeu erradicar novamente — Foto: Evaristo Sa/AFP

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Presidente Lula,a primeira-dama Janja,em cerimônia de posse de Anielle Franco e Sônia Guajajara como ministras — Foto: Sergio Lima / AFP

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De volta ao mundo. Presidente Lula recebe o chanceler alemão Olaf Scholz no primeiro mês de governo — Foto: Cristiano Mariz/O Globo

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No dia seguinte à tentativa frustrada de golpe de estado,Lula desce rampa do Palácio do Planalto com governadores e representantes dos Três Poderes — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo/09-01-2023

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Lula acompanha a situação dos Yanomami,povo que vive grave crise sanitária. — Foto: Ricardo Stuckert

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Lula,segundo à esquerda,entrega habitações do Minha Casa,Minha Vida na Bahia com o ministro das Cidades,Jader Filho (à direita da placa): disputa no MDB gera impasse em secretaria — Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

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Boa vizinhança. O presidente da Argentina,Alberto Fernández,recebe Lula na Casa Rosada — Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação

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Lula aproveitou visita ao Uruguai para se encontrar com o ex-presidente Pepe Mujica — Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação

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Biden recebeu Lula e a primeira-dama Janja na Casa Branca na sexta-feira — Foto: ANDREW CABALLERO-REYNOLDS/AFP

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Como a lei peruana não permite doações de empresas,todo o dinheiro que a Odebrecht dava à campanha era caixa dois,entregue em espécie ou em forma de pagamento por serviços. Em ambos os casos,era Barata quem cuidava de tudo. Antes de começar a levar dinheiro vivo a Nadine,ele já havia mandado o time do Departamento de Operações Estruturadas depositar pouco mais de 1 milhão de dólares nas contas dos marqueteiros os brasileiros Valdemir Garreta e Luis Favre,que faziam a campanha de Humala por indicação de João Santana.

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Em determinado momento,porém,Nadine disse que estava precisando de dinheiro em espécie,no Peru. Para atendê-la,o Operações Estruturadas passou a enviar os recursos a Lima por doleiros. A cada duas semanas,mais ou menos,aterrissavam na mesa de Barata uns US$ 200 mil ou US$ 300 mil,que ele punha na mochila e levava ao apartamento. Os desembolsos eram debitados da planilha Italiano,em uma rubrica que o próprio Marcelo Odebrecht batizara de "Programa OH".

Foram algumas poucas visitas ao longo do semestre,cada uma no máximo vinte minutos. E mesmo quando ainda estavam em desvantagem nas pesquisas,Nadine caprichava nos relatos de avanços da campanha,como a provar que aquele investimento não seria em vão. Barata e Serra não acreditavam na vitória de Humala,mas davam corda,aproveitando para entender melhor a estratégia do casal e saber as fofocas da campanha — não raro,para contar ao pessoal de Keiko Fujimori,a adversária por quem quase todo o empresariado nacional torcia.

Em tese,o chefe da Odebrecht no Peru não precisava levar ninguém com ele. Mas tinha receio de andar sozinho com o dinheiro por Lima. Além disso,Serra tinha mais talento para aquele tipo de conversa. Se pudesse escolher,Barata não daria nenhum peso peruano à candidatura. Só estava ali por ordem de Marcelo Odebrecht,que por sua vez atendia a um pedido dele mesmo: Lula.

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Naquele dia de março,houve uma novidade. Quando o papo acabou,ao invés de se despedir,Nadine disse que Humala estava esperando por Barata em seu escritório,no quarto ao lado.

Fazia tempo que ele vinha pedindo para conversar com o candidato. Tinha de começar a construir uma "relação de confiança" antes da eleição. A vontade de se tornar amigo do potencial presidente era nenhuma. Mas,já que estava desembolsando US$ 3 milhões,o mínimo que podia conseguir em troca era acesso privilegiado a ele. Ex-capitão do Exército,com uma rebelião militar e uma tentativa de golpe no currículo,Humala vinha trabalhando para reverter a imagem de estatista radical. Barata duvidava que algo tivesse mudado,mas tinha que conferir pessoalmente.

No Peru,os marqueteiros Garreta e Favre recorreram ao expediente já testado por Lula no Brasil em 2002 e ofereceram aos eleitores um Humala “paz e amor”,com direito até à uma "Carta ao povo peruano" para acalmar o mercado. Na conversa com Barata,Humala seguiu o script. Disse que não planejava nenhuma medida estatizante e que não havia razão para preocupação,porque ele tinha todo o interesse no crescimento do país.

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Garantiu que,se ganhasse,continuaria o programa de liberalização econômica de Alan García,sem traumas ou radicalismos. Ao final,mandou um recado para Marcelo: "Agradeça a ele por mim". Toda a conversa não levou mais do que dez minutos e,ao invés de aliviar,agravou ainda mais a descrença de Barata. "Estamos fodidos",pensou ao deixar o apartamento,rumo à rua.

Nos meses seguintes,o chefe da Odebrecht no Peru se dividiu entre o contato clandestino com a campanha de Humala e sua rotina de empresário,que incluía jantares beneficentes e reuniões na Câmara de Comércio de Lima — onde o assunto preferido era o justamente despreparo de Humala para a presidência. "Ninguém entende o que ele diz,nem ele!",dizia-se,nas rodinhas. "Nunca tomou uma aula de nada!"

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Ninguém desconfiava do quanto Barata se incomodava com a interrogação recorrente: "De onde esses caras estão tirando tanto dinheiro?!" Quando esse papo começava,Barata mudava de assunto. "Se souberem que estou dando dinheiro a ele,vão me queimar em praça pública. Não seremos convidados nem para tomar cafezinho",comentou,certa vez,com Marcelo Odebrecht.

O chefe,que estava mais preocupado com a proximidade de Humala com concorrentes brasileiras como a OAS,muito próximo a Garreta,orientou: "Se você acha que tem risco,faça uma doação maior a Keiko (Fujimori),faça o hedge que a gente faz na Venezuela. Doa para os dois lados. Não existe lugar mais arriscado para apoiar a oposição do que a Venezuela,e lá a gente faz assim!"

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Seguindo a receita do chefe,Barata deu US$ 500 mil para Keiko Fujimori no primeiro turno e outros US$ 500 mil no segundo. Apesar dos temores,o apoio a Humala permaneceu secreto por muito tempo. Conforme a campanha avançava,a direita se dividia e as chances do esquerdista aumentavam. No final de abril,ele teve 31,69% dos votos no primeiro turno. Venceu as eleições,em junho,com 51,4% dos votos.

O primeiro país que Humala visitou depois disso foi o Brasil. Foi recebido em Brasília por Dilma Rousseff e,em São Paulo,por Marcelo Odebrecht e seu time.

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Na noite de 10 de junho,um carro da Odebrecht apanhou Humala e Nadine no hotel Unique,na região dos Jardins,e o levou para a casa de Marcelo no Morumbi. Barata,o chefe da Odebrecht para a América Latina e Angola,Luiz Mameri e o executivo de relações institucionais João Nogueira o esperavam,com as respectivas mulheres.

Já ali Barata e os Odebrecht perceberam que,com doação e tudo,o relacionamento com o novo presidente não seria fácil. Instalados nos confortáveis sofás da sala,Humala e Nadine ouviram Marcelo contar a história da Odebrecht no Peru,citando empreendimentos e valores que ele parecia desconhecer. Até que se falou da licitação do segundo trecho do metrô de Lima,vencida pela Odebrecht,no consórcio com a peruana Graña y Montero.

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A concorrência estava sob bombardeio no Peru,entre outras razões porque havia sido decidida nos estertores do governo Alan García,dias antes do segundo turno das eleições. A revelação de que a Odebrecht havia doado uma estátua do Cristo Redentor para um parque construído por García nos arredores de Lima,incendiou o clima político.

Muita gente,inclusive Humala,achava que o correto seria anular a licitação e fazer outra -- algo que,evidentemente,a Odebrecht rechaçava. Barata,que conhecia bem o bastidor do negócio,achava que o vice de Humala,Osmar Chehade,trabalhava pelas concorrentes brasileiras da Odebrecht (Andrade Gutierrez,Camargo Corrêa e Queiroz Galvão),que integravam outros consórcios. Mas ele havia sido mais eficiente,ao prometer compensar o ministro dos Transportes de Alan García,Jorge Cuba,com 6,7 milhões de dólares em caso de vitória.

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Por isso,quando Humala começou a fazer críticas à concorrência,durante o jantar,o clima pesou. Começou uma discussão em que Marcelo e Barata defendiam que o resultado havia sido limpo,e Humala expressava descrença. Como não interessava a ninguém que o jantar terminasse em briga,foram mudando de assunto e deixaram a licitação do metrô para lá.

Atento ao fato de Nadine não ter demonstrado nenhum interesse pelos assuntos das mulheres e à constância com que Humala se socorria dela com o olhar antes de dar uma opinião,Marcelo comentou com Barata,quando o casal foi embora: "Ali quem manda é ela".

Ao final,o contrato do metrô foi mantido.

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